Entenda porque os utilitários e crossovers com isenção total sumiram das lojas e… das fábricas

Por Fernando Miragaya

Houve um tempo – quando o dólar estava abaixo dos R$ 4, não existia Tik Tok e o Big Brother era reduto exclusivo de anônimos – em que havia SUVs para PcD. Várias marcas tinham versões específicas de seus utilitários esportivos compactos para o cliente com deficiência. O setor, que virou um segmento de mercado importante, desidratou.

Hoje, os SUVs para PcD praticamente sumiram. Seja na concessionária, em configurações que contemplem o desconto total (ICMS + IPI), seja na própria linha de produção. E as principais razões recaem principalmente no teto para se ter direito aos abatimentos completos por lei.

Desde 2009, a legislação prevê que o consumidor PcD pode comprar veículos sem a incidência das duas alíquotas apenas em carros cujo preço de tabela é de, no máximo, R$ 70 mil. Ou seja, há quase 12 anos o limite é o mesmo. 

Nesse meio tempo, os carros aumentaram naturalmente de preço, assim como os insumos industriais, o dólar e a própria inflação. Basta ver a lista de SUVs mais baratos do país. Mas o limite para compra PcD, não.

Não é difícil imaginar que as montadoras perderam interesse, tanto comercial quanto logístico no negócio. Basta comparar. Em 2019, os SUVs para PCD representavam, em média 30%, das linhas. As marcas e lojas, inclusive, tinham departamentos especializados neste tipo de compra.

E olha a quantidade de opções: Caoa Chery Tiggo 2, Chevrolet Tracker, Citroën C4 Cactus, Jeep Renegade, Hyundai Creta, Nissan Kicks, Peugeot 2008, Renault Captur e Duster, Volkswagen T-Cross tinham versões específicas para o cliente com necessidades especiais.

“Quando um carro para PcD tem uma procura muito grande, as fábricas bloqueiam as vendas para ajustar a carteira. É interessante quando tem volume, mas hoje tem pouco volume. Ou mexe no limite, ou não vai ter mais carro para PcD”, alerta Renato Bacarelli, consultor em Veículos Acessíveis.

SUV para PcD: Quase nada

Atualmente, poucas marcas trabalham com SUVs para PcDs. E só a Caoa Chery tem modelos à disposição, de fato. Hyundai e Volkswagen, por exemplo, estão sem as versões de seus utilitários à venda no momento. A Nissan está com os lotes de janeiro e fevereiro comercializados, mas promete abrir novo lote mais adiante do Kicks 2022.

As montadoras dizem que a produção dessas versões específicas de seus crossovers têm de ser adequadas dentro das fábricas. E que abrem vendas só quando há produto em estoque, para evitar filas de espera – que chegavam a seis meses.

Isso porque essas configurações, por geralmente serem aliviadas em equipamentos, implicam em mudanças de logística dentro da linha de produção. Em geral, perdem itens como rodas de liga leve, faróis de neblina ou mesmo uma cobertura do compartimento de bagagens. Mais uma vez, os especialistas culpam o limite de R$ 70 mil. 

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“Para manter esses preços, as marcas têm que fazer ajustes no carro e retiram itens. Esses carros ficam diferentes dentro das linhas e a montadora geralmente não consegue jogar essa versão para outro tipo de venda. Ou seja: fica um veículo específico para PcD. E a fábrica tem que manter um ajuste entre a produção e a demanda”, acredita Bacarelli.

Fontes dentros dos fabricantes reconhecem que os SUVs para PcDs precisam ser “depenados” em equipamentos para entrar na faixa dos R$ 70 mil. E confessam que o empenho das marcas em ter utilitários esportivos para esse segmento de mercado diminui cada vez mais. Isso porque as margens de lucro minguaram e, em geral, as empresas perdem dinheiro nessa operação.

SUV para PcD: O mais barato

Atualmente, o SUV mais barato do país é o Caoa Chery Tiggo 2 EX AT, por R$ 68.690. O fabricante diz que qualquer cliente, PcD ou não, pode adquirir a versão. Porém a opção foi claramente voltada para este segmento. 

Repare que esta configuração do SUV tem câmbio automático – considerado uma adaptação para ser enquadrado como PcD. Mesmo assim, é mais barata que a Look manual (R$ 74.390) justamente para se inserir na categoria.

Porém, também é aliviada em itens de série. Mantém as rodas de liga leve aro 16” e o ar-condicionado automático. Mas perde central multimídia com tela de 8” e câmera de ré, volante multifuncional, sensor de estacionamento e as luzes diurnas.

Esse limite vai aumentar?

Para fontes e especialistas do mercado, se o teto de R$ 70 mil para se ter isenção total não for aumentado, a tendência é que os SUVs para PcDs sumam. E mesmo a oferta de hatches e sedãs compactos pode se reduzir a médio prazo.

Não faz muito tempo que até a Toyota tinha uma versão do Corolla com desconto de ICMS e IPI para pessoas com deficiência. Mas hoje o sedã médio não sai por menos de R$ 120 mil… Porém, há ainda ofertas de modelos compactos com câmbio automático que entram na faixa de preço para a compra PcD, como nas linhas Volkswagen, Fiat, Chevrolet e Hyundai.

Segundo consultores e executivos das fábricas, o teto ideal atualmente deveria girar entre R$ 90 mil e R$ 100 mil para incluir mais opções de SUVs. A Anfavea, a associação que reúne os fabricantes de veículos, pleiteia junto ao governo mudanças nesse limite de preço para compra de carros PcDs. E aproveita para enaltecer sua função social.

“Desde setembro de 2009, quando foi fixado o teto de R$ 70 mil para isenção de ICMS para veículos PCD, a inflação e os custos de produção (sobretudo componentes importados) aumentaram muito. Os veículos tiveram de se aprimorar para cumprir, por exemplo, os atos regulatórios de emissões e segurança”, diz a Anfavea, em nota.

“Assim, fica praticamente inviável comprar um carro PCD neste valor máximo. Nossa solicitação de algum reajuste do teto não está relacionada ao crescimento das vendas ou à lucratividade. Trata-se de uma função social, uma preocupação com a parcela da sociedade que mais precisa de opções de mobilidade”, completa o comunicado oficial da entidade.

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