Cápsula do temo fábrica JAC Bahia
Foto | JAC/Diviulgação

Teve anúncio oficial e até carro enterrado como cápsula do futuro. Mas as fábricas e a produção só ficaram na promessa

Por Fernando Miragaya

Você já deve ter feito aquela famosa promessa de fim de ano. Ou falar que nunca mais ia assistir o teu time de coração depois de uma derrota vexaminosa, mas lá estava você na arquibancada na rodada seguinte. Ou jurado amor eterno para aquela sua paixão e três semanas depois beijar metade do Cordão do Bola Preta no carnaval do Rio. Pois é, mas promessas não cumpridas existem aos montes também no mercado de automóveis.

E aqui não falamos de uma dieta que você começou no dia 2 de janeiro ou de um namoro que não vingou. Mas sim do anúncio de fábricas e de produções que gerariam empregos diretos e indiretos, arrecadação e novas ofertas de produtos. Contudo, ficaram pelo caminho e se tornaram os maiores micos automotivos.

Tem também aquelas fábricas que até iniciaram produção, mas cujas atividades duraram pouco ou quase nada. Veja os casos de fábricas que não vingaram nas últimas três décadas.

JAC Motors

Uma novela que só teve capítulos ruins para a JAC Motors do Brasil e se tornou um dos maiores micos automotivos. Em novembro de 2012, depois que o governo federal anunciou a sobretaxa de importação de mais 30% em cima de carros de marcas que não tivessem produção nacional, a chinesa resolveu abrir caminhos. Mas só se enterrou. Literalmente.

No lançamento da pedra fundamental da futura fábrica que nunca saiu do papel, teve até um J3 em forma de cápsula do tempo enterrado no terreno de Camaçari (BA). A empolgação tinha até sentido.

Naquele mesmo ano, a JAC tinha iniciado as operações no país tendo à frente o empresário Sergio Habib, ex-presidente da Citroën no país, e Fausto Silva como garoto-propaganda. Quem não se lembra do “J Day”, quando foram abertas simultaneamente 50 concessionárias da marca?

Em um mês, a JAC vendeu 2 mil unidades e logo se tornaria a segunda maior importadora de veículos do país. No embalo, anunciou investimento de R$ 900 milhões para a fábrica, que iniciaria as atividades em 2014 com capacidade de 100 mil unidades/ano. Foi tempo suficiente para o vento virar ao contrário.

Burocracias brasileiras e chinesas atrasaram o início das obras, que só ficaram na terraplanagem. A matriz até aumentou a participação de 34% para 66% – o resto estava a cargo de Habib. Só que esse aporte a mais demorou a ser liberado pelos chineses, só em 2014, quando o mercado de veículos do Brasil começou a retrair.

A matriz saiu fora do projeto e deixou o abacaxi na mão da filial. Sergio Habib até pensou em manter a fábrica, com capacidade menor (20 mil unidades). Enquanto isso, o governo começou a cobrar R$ 180 milhões em benefícios fiscais.

Até cogitou-se fazer uma linha em sistema CKD, mas o projeto foi cancelado de vez e a SHC Motors entrou em recuperação judicial. Não restou nem o carro enterrado,que foi devidamente retirado.

Cross Lander

Em 2002 nasceu uma montadora na Zona Franca de Manaus destinada a fazer veículos robustos 4×4 para o mercado brasileiro e também para exportação para os Estados Unidos. Com 30% de capital americano e 70% de acionistas brasileiros. a unidade passou a montar os jipes Aro, de origem romena.

O projeto era ambicioso: 3 mil unidades fabricadas em 2003 , em 2004, 5 mil. O primeiro modelo foi o CL-244, jipão baseado no Aro 24 que era o 4×4 mais barato do país até então. Usava carroceria de chapa de aço, motor MWM 2.8 turbodiesel de 132 cv e, diziam, tinha 70% de índice de nacionalização. Teve até uma variante militar de olho em vendas para as Forças Armadas.

O negócio começou a fazer água já no início. A Cross Lander tinha apenas 16 revendas no país e a importação dos EUA subiu no telhado. Com isso, foram apenas 72 unidades feitas no primeiro ano e 200 (das 3 mil previstas) no segundo.

A produção foi paralisada e a companhia foi vendida. Sob nova direção, anunciou a picape CL-330 no Salão de São Paulo de 2004. Passado um ano, nova mudança societária que resultou na formação da Bramont Montadora Industrial e Comercial S.A. A produção foi transferida para outro local, também na capital amazonense. Porém durou pouco.

Os veículos Cross Lander não conseguiam atender (naquela época) às normas de emissões de poluentes brasileiras. Paralelamente, a Bramont iniciou uma parceria com a indiana Mahindra para fazer outra (malfadada, veja a seguir) linha de montagem. Em 2006, os utilitários romenos deixaram de ser montados.

Micos automotivos: Óbvio!

Em 2002, um protótipo de subcompacto com uma cor verde e detalhes laranjas foi apelidado de Zé Carioca não só pelos tons berrantes, mas pela promessa de ser produzido na região metropolitana do Rio. Era o Obvio! 828, que seria produzido em Xerém, na Baixada Fluminense.

A iniciativa era do empresário Ricardo Machado, que prometia uma fábrica com capacidade para 50 mil carros/ano e geração de 4 mil empregos. Teve até foto aérea do galpão da antiga FNM com um aplique virtual do nome Óbvio no telhado. Segundo a empresa, o projeto tinha suporte da ZAP, com sede na Califórnia, com uma encomenda de 150 mil carros e aporte de US$ 25 milhões.

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Com desenho assinado por Anísio Campos, o carrinho de três lugares usava motor Volkswagen central. Mudou de desenho ao longo dos anos, mas a fábrica, que é bom, nunca saiu do papel.

Em 2010, o subcompacto deu as caras de novo. Desta vez redesenhado, híbrido flex e chamado de 828e… O papagaio, obviamente, virou um dos grandes micos automotivos.

Micos automotivos: Dodge

A marca estadunidense parece aqueles times iô-iô no Campeonato Brasileiro: sobem para a Série A e descem para a B quase que na sequência. Um destes momentos mais emblemáticos foi com a inauguração da fábrica de Campo Largo (PR) para a produção da Dakota.

A unidade foi anunciada em 1994 e inaugurada em 1998. Só que no mesmo ano de estreia, a dona da Mercedes assumiu o controle da Chrysler (dona da Dodge), formando a DaimlerChrysler. Obviamente, a busca por sinergia não tinha em mente uma fábrica de picapes médias no Brasil.

Apesar do relativo sucesso da Dakota por aqui – chegou a vender 40 mil unidades em um ano -, a unidade paranaense fechou as portas em 2001. O detalhe é que não foi a primeira vez em que a Dodge abandonava o país.

A marca iniciou as operações oficialmente em 1967, via Chrysler (que tinha comprado a Simca). Entre os modelos emblemáticos para o bem e para o mal, o inesquecível Dart e o problemático Polara (que surgiu como Dodge 1800). No fim da década de 1970, a Volkswagen comprou a estadunidense e a marca teve as atividades encerradas em 1981.

A Dodge só voltou no fim dos anos 2000 numa terceira tentativa. Emplacou bem o Journey e não teve a mesma sorte com o Durango. Mesmo com a FCA – Fiat Chrysler Automóveis (agora, Stellantis) por trás, não tem nenhum produto à venda no país. Lembrando que as picapes RAM ganharam vida própria no início da década de 2010.

TAC Motors

A Tecnologia Automotiva Catarinense foi mais um sonho de carro 100% nacional que se tornou um dos maiores micos automotivos. A empresa nasceu em 2004 com o plano de fabricar um jipinho 4×4 para concorrer com a Troller, outra marca brasileira que tinha acabado de ser comprada pela Ford.

Outro caso de metas ambiciosas. Com o modelo Stark, a estimativa era de alcançar faturamento na casa dos R$ 95 milhões já no quinto ano de vendas. O projeto ainda tinha investimento do Governo de Santa Catarina e a produção começou em Joinville, em 2009.

Não passou muito tempo e a TAC Motors viu que o buraco era bem mais embaixo. A empresa logo quis reduzir custos e viu no Ceará uma oportunidade de manter a produção com impostos mais baixos. Em 2013, o Stark passou a ser feito em Sobral, no mesmo estado sede da… Troller. E mais uma vez com metas arrojadas: 3 mil unidades por ano!

No entanto, a última notícia que se tem é que só saíram 250 unidades do Stark da linha de montagem cearense em seis anos. O jipinho usava motor 2.3 da Fiat Powertrain Technologies (FPT) com 127 cv de potência. E ainda teve uma versão militar prometida pela empresa.

Em 2015, a chinesa Zotye (outra que figura nessa lista de promessas não cumpridas) disse que ia comprar a empresa, mas não concretizou o negócio. Atualmente, o Governo de Santa Catarina cobra ressarcimento pelos incentivos fiscais dados à TAC Motors. O Estado reclama uma dívida que, em 2020, estava em R$ 10 milhões.

Asia Motors

Asia Motors Towner

Quem nasceu depois de 2000 nem deve saber, mas a década de 1990 marcou não só a retomada das importações de veículos no país, como também a uma invasão de vans. Com custo/benefício baixo, modelos como as Asia Topic e Towner viraram sinônimo de transporte alternativo – muitas vezes, não regulamentado.

Tanto que em muitos estados, motorista de van era até chamado genericamente de topiqueiro, independentemente do modelo que usava para  trabalho – podia até ser a Kia Besta, outro comercial leve de sucesso da época. Embalada pelas boas vendas, a Asia Motors prometeu, em 1997, iniciar a construção de uma fábrica em Camaçari (BA).

Com aportes de US$ 500 milhões, a unidade iria produzir, a partir de 1999, 60 mil unidades de Towner e Topic por ano – mas a capacidade total ia além, 130 mil/ano. A iniciativa tinha apoio da Kia Motors, dona da marca sul-coreana.

“O projeto brasileiro não sofrerá nenhuma mudança e será conduzido de acordo com os compromissos já firmados”, disse o vice-presidente do Grupo Kia à época, Seung Ahn Kim, em carta (isso ainda existia naqueles tempos) endereçada ao então presidente da então Asia Motors do Brasil, Washington Lopes.

Detalhe é que a Kia tinha entrado em concordata um ano antes. Mesmo assim, o lançamento da pedra fundamental da fábrica (já incerta) teve presença do presidente Fernando Henrique Cardoso, trio elétrico, festa para mais de 6 mil pessoas e a palavra do falecido senador Antônio Carlos Magalhães dizendo que tinha acesso a documentos que asseguravam o projeto…

A fábrica nunca saiu do papel e a dívida da Asia devido aos incentivos fiscais recebidos ainda respingou nas operações da Kia Motors do Brasil – como você lerá na sequência. Já Camaçari (BA) parecia sofrer da maldição das montadoras – a única linha de produção de carros que vingou lá foi a da Ford, recentemente fechada.

Micos automotivos: Kia Motors

Passada (temporariamente) novela da unidade da Asia Motors, a subsidiária brasileira da Kia – representada pelo Grupo Gandini – começou a pensar na sua própria produção nacional. Em 2008, a empresa comprou um terreno de 510 mil m² em Salto (SP) para fabricação dos modelos Soul e Kia (ainda os de primeira geração).

O anúncio era mais uma etapa na boa reestruturação da marca sul-coreana no país, depois de um início de século com vendas baixas. A companhia celebrava bons números de vendas de modelos como Soul, Picanto e Sportage e queria aproveitar o bom momento.

Mas o fantasma da Asia Motors continuaria a atrapalhar os planos do Grupo Gandini. Uma batalha judicial cobrava da Kia do Brasil as dívidas da marca de vans – que era subsidiária da montadora coreana – pela fábrica não concluída na Bahia. Só em 2013 o STF decidiu que a fabricante não deveria responder pelas pendências.

Porém, a Kia já tinha perdido o trem da história. Depois de um 2011 de recordes de vendas e de concessionárias (mais de 77 mil emplacamentos e quase 180 lojas), a filial brasileira viu o sonho da fábrica ser transferido para o México – que hoje exporta a segunda geração do Rio para cá. O terreno de Salto virou um centro tecnológico para a marca por aqui.

Micos automotivos: Fabral

Outro utilitário robusto e “raiz” que teve a cidadania brasileira cancelada. No início dos anos 2000, o grupo português Tricos (que já atuava no setor automotivo daqui com a SsangYong na época) prometeu a montagem de jipes da marca espanhola Santana.

Eram os quadradões PS10 Anibal, que lembravam Land Rover das antigas e que no Brasil se chamariam Jalapão.E não era coincidência: os jipões espanhóis usavam mesmo a carroceria do Land 108.

Seria o primeiro produto da Fábrica Brasileira de Automóveis (Fabral), com linha de montagem no estado do Tocantins a partir de 2003. Modelos importados foram até exibidos no Salão de São Paulo de 2002 e as revendas da SsangYong chegaram a comercializar algumas dessas unidades.

A fábrica, porém, nunca saiu do papel, mas a Fabral ainda ia continuar na promessa…

SsangYong, Haima e Chana

Pois é… esse trio de marcas já teve promessa de produção aqui pelo mesmo grupo da Fabral. No fim dos anos 2000, através da Districar, a empresa adquiriu também a representação das chinesas Chana (que depois mudaria o nome para Changan) e Haima – conhecida pelas linhas de comerciais leves e vans.

Em 2012, o Grupo Tricos assinou um Protocolo de Intenções com o governo do Espírito Santo. Na cidade de Linhares seria inaugurada, então, a linha de montagem com produção inicial de 10 mil unidades de modelos das três marcas, a partir de 2014, e capacidade máxima de 50 mil unidades até 2020.

Pulando mais que pipoca, não passaram dois meses e a companhia estabeleceu outro acordo de intenções, desta vez com o governo de Goiás. A ideia, a partir de então, era ter uma produção só da Changan em Anápolis. Nenhuma das duas fábricas foi adiante e as atividades das marcas aqui sumiram.

Zotye

Esta chinesa novata (nasceu em 2005), mais famosa por suas cópias descaradas de modelos famosos de outras marcas, fez barulho no Brasil. Mas, até agora, só ficou no alarde mesmo. No início de 2014, a empresa garantiu que ia lançar dois modelos importados, prometeu rede com 50 concessionários e até fábrica no Espirito Santo com início das atividades em 2016.

Na sequência de juramentos, já quebrou o primeiro. Nem deu as caras no Salão de São Paulo daquele ano (2014), conforme prometido. Depois, fez menção de comprar a catarinense-cearense TAC Motors, mas ninguém sabe nem de uma, nem de outra.

As reviravoltas continuaram. Em 2016, assinou termo de compromisso, agora com o governo de Goiás, para fazer uma fábrica em Goianésia, com capacidade para 20 mil unidades/ano e montagem do tipo CKD. Um ano depois, mudou o termo e resolveu que ia fazer um utilitário elétrico e uma linha de motonetas, também EVs, por lá já a partir de 2018.

Chegou 2018 e a promessa da vez foi o Zotye E200-Pro. Trata-se de um subcompacto com  2,74 m de comprimento, motor de 82 cv e autonomia de 250 km que seria o elétrico mais barato do Brasil quando fosse lançado, em 2019, em parceria com a Electro Motors.

Micos automotivos: Mahindra

A logística da produção da Mahindra no Brasil contribuiu muito para se tornar um dos grandes micos automotivos. Representada pelo Grupo Bramont ( um dos envolvidos no fracassado Cross Lander), o fabricante indiano começou a montar seus modelos de nomes pouco criativos, a picape Pik Up e o utilitário M.O.V. em 2007.

Mas olha que doideira: as carrocerias importadas da Índia eram montadas na unidade da Usiminas em Pouso Alegre (MG). Depois de receberem pintura e acabamento, seguiam de caminhão até Belém. Da capital paraense, rumavam de… balsa até Manaus, onde eram montadas sobre os chassis.

Com baixíssimo índice de nacionalização (basicamente pneus, bancos e bateria), a Mahindra ainda tinha uma rede bem modesta de concessionárias, que não chegava a 20 pontos de venda e deixava capitais importantes descobertas. Tinha tudo para dar errado e deu.

No início de 2013, a Bramont encerrou a montagem dos modelos. Em cinco anos de produção, foram feitas pouco mais de 3.500 unidades. Se você ver algum Mahindra por aí, fotografa porque é mais raro que mico-leão-dourado – sem trocadilhos com o título desta reportagem.

Fábrica do Eike

Eike Batista estava rindo à toa no fim dos anos 2000 e início dos 2010. Ele era o oitavo homem mais rico do mundo, as empresas de petróleo, mineração e energia atraíam investidores e o país estava em pleno crescimento. O que incentivou o empresário a tentar rever um antigo sonho, de fabricar um carro no Brasil.

Mais uma promessa. Eike namorou a indiana Tata Motors para fazer modelos compactos aqui. Depois tentou fazer o T.25, criação de Gondon Murray. Ainda anunciou que teria uma linha de produção de elétricos no Super Porto do Açu (RJ), com capacidade para 100 mil unidades/ano. O aporte girava na casa de US$ 1 bilhão.

Nada vingou, a EBX (holding que reunia todas as empresas) ruiu, Eike chegou a ser preso. Resta ao empresário lembrar da época em que fazia o JPX, o divertido jipinho montado em Pouso Alegre (MG) nos anos 1990.

Mercedes Classe X

Esse é um dos maiores micos automotivos globais. Na verdade, quase um orangotango. A então primeira picape média da Mercedes-Benz não vingou nem três verões seguidos. O projeto era uma parceria da Daimler com a aliança formada por Renault, Nissan, e Mitsubishi.

A ideia era usar a mesma base para as inéditas Classe X e Alaskan e também para as próximas gerações de Frontier e L200. Depois da produção na Espanha, a Mercedes confirmou a fabricação da picape em Córdoba, na Argentina, onde seriam feitas também as variantes da Nissan e da Renault.

No meio do caminho, a Mercedes desistiu do projeto no Mercosul. Foi questão de tempo para encerrar a fabricação em Barcelona. Em três anos, a marca alemã produziu apenas 8 mil unidades da Classe X – de um total de 38 mil unidades fabricadas da plataforma compartilhada.

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