Já que foguete não tem ré, a trajetória do Tempra acelerou rumo a patamares mais elevados até o seu fim

Por Renato Passos (*)

O primeiro trimestre de 1993 marcaria, de duas maneiras distintas, a vida deste humilde escriba – que logo em seguida completaria apenas dois anos de vida. Mas a vida dá suas voltas e nessas reviravoltas une o sacro ao pecaminoso, o brilho à escuridão, o aleatório à uniformidade.

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Em fevereiro do ano supracitado, chegaria ao mercado fonográfico o mais novo álbum da banda inglesa Duran Duran. Intitulado com o mesmo nome da banda, ficaria conhecido como The Weeding Album – ou “o álbum do casamento” na língua de Tostão e Pelé. Sua segunda música seria Ordinary World, um sucesso nas paradas naquele Brasil de Itamar Franco como presidente.

E o que isso tem a ver com um sedã de 4 portas fabricado nas montanhas de Minas Gerais? Nada. Mas, ao mesmo tempo, possui uma correlação direta com o que fomenta este texto – e logo se juntará ao Tempra: a paixão. Mais para frente abordaremos isso, já que por ora abordaremos algo que deixou uma pulga atrás da orelha de alguns leitores.

O Clube dos 200

Terminei o texto anterior deixando em voga uma palavra e um número: Omega e 200, respectivamente. A questão soa como óbvia para amantes de automóveis: desde 1992, o Chevrolet Omega era o primeiro veículo nacional com velocidade máxima declarada superior a 200 km/h quando equipado com o pujante motor C30NE de 3,0 litros e 165 cv.

Feito para as Autobahnen alemãs, o sedã originário da Opel germânica era o suprassumo em desempenho em terras tupiniquins. Mas a Fiat, buscando cada vez mais um lugar de destaque como marca de inovação e que sim, sabia fazer carros maiores, viria combater isso em duas ações distintas. E a primeira delas se mostraria ao público também no primeiro semestre de 1993, mais precisamente no mês de março.

Até aquele momento, todos os veículos equipados com motor operando em ciclo de quatro tempos apresentavam duas válvulas por cilindro: uma para admissão e outra para escapamento. Ou seja, isso era uma verdade absoluta para todos, menos os DKW, as motos dois tempos e os caminhões com motores Detroit Diesel.

Isso se encerraria ali: maior capacidade de admissão de ar para um mesmo ciclo de alimentação incorre em queima mais completa, gerando mais potência sem consumo elevado. Meramente uma questão estequimétrica versus a eficiência volumétrica de um motor, a capacidade de um motor “respirar” melhor.

Não obstante, uma saída mais eficiente dos gases de escape deixava menos resíduo no interior o cilindro para o próximo ciclo: mais um fator para queima mais limpa e eficiente. Como obter isso? Ao invés de duas, o dobro: quatro válvulas por cilindro. Para um motor de quatro cilindros, dezesseis válvulas. Simbolicamente, 16v: eis o sobrenome do Tempra que estreava naquele momento e que fora apresentado para a imprensa em setembro do ano anterior.

E o início se deu de forma memorável: no mês de lançamento, o Tempra 16v foi alocado como Safety Car do Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 daquela temporada. Um incidente com o então tricampeão e eterno ídolo Ayrton Senna colocaria o Tempra 16v em foco na mídia e na memória e desejo de muitos: Após vencer a prova com seu McLaren, o piloto reduzira a velocidade na tradicional volta da vitória uma vez que multidão invadira a pista.

Com isso, o motor do carro apagou e Senna foi recolhido pelo Tempra em serviço, desfilando por uma volta inteira por Interlagos com o campeão sentado sobre a porta do passageiro, acenando para o público.

O motor permanecia o mesmo, mas agora com o dobro de válvulas e potência visivelmente superior: 127 cv, que na realidade parecia um pouco maior (por volta de 134 cv). E por qual motivo a fabricante italiana iria “estrangular” a potência declarada de seu veículo topo-de-linha?

O valor divulgado evitava uma alíquota mais alta de Imposto sobre Produtos Industrializados, o IPI. Que era maior, veja só, para veículos com potência igual ou superior a 128 cv! Independente desta dúvida que permanecerá histórica, o pico de potência ocorria a 5.750 rpm, enquanto o torque máximo aumentasse para 18,4 kgfm a elevadas 4.750 rpm: a despeito de mais força e potência, o torque em rotações elevadas trazia uma sensação de que o Tempra 16v era “frouxo” conforme relatos de época.

A Fiat poderia ter sanado isso com o uso de coletor de admissão de dutos longos, como o que apresentava 137 cv no Fiat Croma contemporâneo; ou com geometria variável deste componente como aplicado no Lancia Thema para obter interessantes 152 cv. Entretanto, o custo falou mais alto e não chegamos a tal nível de refinamento naquela época.

A velocidade máxima chegava a 202 km/h (entrando, portanto, no Clube dos 200) e para acelerar de 0 a 100 bastavam 9,8 segundos. O Tempra mais potente usava injeção, que ainda levaria um ano para chegar ao propulsor com cabeçote ortodoxo. Além disso, para lidar com a maior potência, freios, direção e suspensão eram revistos: freios a disco nas quatro rodas eram de série no 16v, com sistema antitravamento (ABS) opcional.

Além disso, molas dianteiras mais firmes e barras estabilizadoras mais espessas à frente e atrás eram instalados – e tornavam o Tempra mais estável no uso comum, frente a certa “agressividade” nos comandos quando se passava dos limites. Nova relação de pinhão e cremalheira deixava a direção 10% mais rápida.

O novo propulsor era oferecido apenas na versão Ouro, com duas e quatro portas, acompanhado de rodas de alumínio com face externa usinada, pneus 195/60 R14 de série e farto equipamento de série: bancos dianteiros com ajuste elétrico para motorista e passageiro com revestimento em couro, espelhos externos antiofuscantes, retrovisor interno fotocrômico, rádio/toca-fitas Alpine com painel frontal destacável e, na versão de duas portas, janelas basculantes com comando elétrico.

Tragam pimenta, mais pimenta!

Pequenos retoques viriam para a linha 1994: para-choques com modificações mínimas em desenho e faróis de neblina reposicionados, bem como para-brisa degradê e extintor de debaixo do banco do motorista. Para o 16V, menor assistência de direção visando deixar o volante mais firme em velocidades mais altas.

Paralelamente, a Fiat inovava mais uma vez no mercado nacional: em fevereiro de 1994, o Uno Turbo i.e. era o primeiro carro com turbocompressor de fábrica – mais uma vez, um artifício para aumento de eficiência de um motor, aproveitando energia normalmente dispensada para aumentar a potência de um propulsor sem necessariamente aumentar o seu tamanho.

Enquanto isso se sabia que do outro lado do oceano o motor de 2-litros do Tempra tinha uma versão também sobrealimentada, utilizada tanto no Fiat Croma tanto com sucesso no vitorioso Lancia Delta Integrale dos rallies do final dos anos 1980. Logo, se somarmos 1+1…

Sim. Deu no que pensávamos. E em abril de 1994, de forma precoce como linha 1995, era lançado o Tempra Turbo i.e.: apertem os cintos, porque vem ainda mais força por aí! Inicialmente na versão de duas portas e com a opção de uma vibrante cor vermelho-sangue, o ítalo-brasileiro um turbo Garrett T2 com pressão de superalimentação de 0,8 kg/cm² e resfriador de ar (intercooler). O resultado? 165 cv a 5.250 rpm e torque máximo de 26,5 kgfm a interessantes 3.000 rpm.

Sinal dos tempos: o motor 1.3 T4 Firefly recém-anunciado pela Stellantis, embora 33,23% menor do que o motor sobrealimentado do Tempra, apresenta potência e torque superior com maior usabilidade e economia de combustível. Agradeçam ao avanço técnico-científico. Interessante ressaltar que, embora existisse a variante turbocomprimida com 4 válvulas por cilindro na Itália, ficamos com o turbo aliado ao motor de 8 válvulas.

Isso se deu uma vez que o motor menos potente atendia bem às demandas de nosso mercado – 165 cv era a mesma potência de seu arquirrival Omega 3.0 e seu motor 50% maior. Para levar a força ao chão o comando das marchas usava cabos em vez de varões, e o comando de embreagem era hidráulico. O diferencial também tinha relação 14,5% mais longa.

O resultado dessa pimenta binacional se traduzia em velocidade máxima declarada de 220 km/h e aceleração de 0-100 km/h em 8,2 segundos. Mesmo com a conhecida demora de atuação da turbina em baixos regimes nos motores mais antigos, o Turbo se provava mais ágil do que o 16V em retomadas e acelerações plenas.

Para domar essa cavalaria, diversas modificações eram realizadas no chassi e suspensões. A receita começava por novos amortecedores, molas e barras estabilizadoras, passando por buchas e coxins mais firmes e passando por câmber mais negativo geometria da suspensão dianteira. Não obstante, um reforço e nova posição dos braços transversais traseiros para sanar a tendência ao subesterço e caixa de direção 13 mm mais baixa para aprimorar a geometria de direção eram novidades extensíveis a toda linha Tempra.

Extensíveis à linha 1995 também eram mudanças no exterior, tais como nova grade e faróis. No Turbo, belas rodas de 14 polegadas e aerofólio traseiro com luz de freio integrada conferiam ar esportivo à versão. No interior, não restrito somente ao Turbo i.e., a linha 1995 incorria em mudanças profundas que se mostravam no painel, console central, volante e portas. Mas no novo topo-de-linha, o nível era superior: logo de cara, eram sete mostradores no painel de instrumentos.

Para além dos onipresentes velocímetro e marcador de combustível, também havia conta-giros e termômetro de arrefecimento também presente nos outros modelos. A exclusividade vinha na aparição de termômetro de óleo e manômetros de óleo e de superalimentação. Próximo dali estava um computador de bordo de sete funções, resolvia uma falta curiosa no modelo já que fora a Fiat a primeira marca a oferecer o item em 1985 na linha Uno.

Outros itens de conveniência e conforto passavam pela primazia do sistema de ar-condicionado com controle automático de temperatura (o primeiro em carro nacional), antena incorporada ao vidro traseiro, alarme com proteção interna por ultrassom (que podia ser desativada) e acionamento a distância, luz de aviso para o motorista atar o cinto e função um-toque e sensor anti-esmagamento nos vidros com controle elétrico e temporizador.

Existiriam outras peças no tabuleiro que seriam mexidas e incluídas na sequência dos fatos. Caso esteja curioso com isso – ou com a correlação musical que abriu a parte 3 com um mero Fiat Tempra, não deixe de acompanhar a quarta e última parte desta história sobre quatro rodas. Até mais!

(*) É engenheiro mecânico formado pelo Cefet-MG

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