No segundo semestre de 1991, chegava ao mercado brasileiro o Fiat Tempra, sedã médio da fabricante italiana que, com tempero brasileiro, faria história e marcaria corações

Por Renato Passos (*)

Como é escrever sobre uma paixão? De Gonzaguinha com Sangrando até Eric Clapton em Layla, passando por diversos músicos dos mais variados gêneros musicais, trazer aquilo que habita no lado emotivo para os versos é algo comum para aquilo que se canta e ouve.

E quando não temos a grandeza dos músicos e a luz dos poetas? Principalmente quando falamos de uma paixão, digamos, peculiar. Eis aquilo que me veio à cabeça quando o Marlos solicitou que eu escrevesse sobre o Tempra e seus trinta anos em solo brasileiro.

Pois não se trata se mais um texto “Renato-fala-de-carros”, mas sim de uma paixão que mudou a minha vida. Oras, as paixões podem ser além da carne, do tato e do suor. Ou apenas os humanos podem mudar a vida de outros? Sem mais delongas e deixando a profundidade de lado (salve, Belchior!), vamos falar do trintão sobre rodas que marcou época em nosso país. Iniciaremos, na primeira parte, por sua história no exterior. Na parte seguinte, sua vida em solo brasileiro.

Una famiglia italiana

Uno, due, tre, quatto. De um a quatro, eis os tipos – projetos da Fiat italiana para seu portfólio em meados dos anos 1980. O tipo um (Uno) é, obviamente, o onipresente Fiat Uno e o primeiro dos projetos a ver a luz do sol. Em seguida, o tipo quatro (quattro) foi o próximo a ser lançado em uma parceria entre o grupo italiano e a sueca Saab: fazendo par com o Alfa Romeo 164, Saab 9000 e Lancia Thema, o Fiat Croma era o maior modelo da marca de Turim no fechamento daquela década.

Em seguida, veio o tipo dois (due): nós o conheceríamos como…Tipo! Simples, não? Por fim, o tipo três (tre) seria uma derivação de três volumes do Tipo para o concorrido mercado europeu, onde a Fiat perdia a passos largos na segunda metade dos anos 1980 com o defasado e insosso Fiat Regata.

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Sem tempo a perder, o tipo quattro – ou projeto 159 – foi apresentado oficialmente em fevereiro de 1990, embora já aparecesse nas páginas das publicações do velho mundo desde novembro do ano anterior. Seu nome? Tempra, que em italiano remete à palavra “têmpera”, processo de endurecimento e fortalecimento de ligas metálicas.

Embora não fosse revolucionário, seu visual era fluido e elegante. Condizente com as tendências para um sedã de quatro portas daquela época, o Tempra fora desenhado por Ercole Spada no estúdio IDEA, também do país da bota. Com linhas retilíneas, apresentava traseira curta e elevada típica dos modelos italianos daquela época.

Seu desenho esguio desaguava em um bom coeficiente aerodinâmico (Cx) para a época, de 0,28. Também herdado do Tipo e favorecido pelo seu formato era o excelente espaço interno com acesso facilitado, dispondo de amplo espaço tanto para passageiros quanto para bagagem (500 litros). Embora mantivesse a largura (1,695 metro) e a distância entre eixos (2,54 m) do Tipo, o Tempra era bem mais longo, com 4,35 metros contra 3,95 de seu irmão de plataforma.

Fiat Tempra: Mesma origem, formas distintas

Ao contrário do Brasil, onde teria uma classe mais refinada, o Tempra era um simples carro para as massas acima dos compactos tradicionais. Isso se refletia na motorização: inicialmente, os motores a gasolina oferecidos partiam de 1,4 litro com carburador (potência de 76 cv e torque de 10,8 m.kgf); passando por 1,6 litro com carburador (84 cv e 13,2 m.kgf) e chegando a 1,8 litro, único a usar injeção eletrônica e entregando com 109 cv e 14,3 m.kgf.

Para o topo-de-linha, um propulsor de 2 litros debitando 115 cv e 15,9 m.kgf com injeção eletrônica chegaria em seguida. Paralelamente, como é comum na Europa, opções movidas a diesel de 1,9 litro com aspiração natural (65 cv e 12,1 m.kgf) ou sobrealimentada com turbo (90 cv e 18,9 m.kgf) também estavam disponíveis.

Inicialmente havia opção de câmbio automático para o motor 1.6, mas com novidades: com o nome comercial de Selecta, era uma das primeiras transmissões CVT disponíveis no mercado europeu nos tempos modernos. Provinda do Tipo era o restante de sua configuração mecânica: motor transversal de quatro cilindros, suspensão independente nas quatro rodas (dianteira McPherson e traseira com braço arrastado), freios a disco no eixo dianteiro e a tambor atrás.

Falando de freios, eles podiam receber dois sistemas antitravamento (ABS): apenas para as rodas dianteiras, nas versões 1,4 e 1,6, e para todas as rodas nas de 1,8 a 2,0 litros. O amplo tanque de combustível de 63 litros garantia longa autonomia, superior a 920 km nas autoestradas no caso das versões dotadas de injeção eletrônica e câmbio manual.

Também oriundo de seu irmão menor, algumas versões do Tempra poderia vir dotado de painel digital, composto por dois níveis de instrumentos gráficos, além de ar-condicionado com controle automático de temperatura e teto solar com comando elétrico.

Fiat Tempra SW

Em abril de 1990, com as mesmas opções do sedã, chegava a perua Tempra Station Wagon (SW). Diferindo pelo maior espaço no porta-malas, que alcançava 540 litros ampliáveis a 1.600 com o banco traseiro totalmente rebatido, também apresentava tanque de combustível de maior capacidade, chegando a 70 litros.

Para além da Fiat Tempra SW, novidades chegariam em breve: uma transmissão automática epicicloidal (o tipo mais tradicional) tornava-se opcional para a versão topo-de-linha SX equipada com o motor 2.0 em julho de 1991. No final daquele ano, já como modelo 1992, os motores menores ainda dotados de carburador ganhavam injeção eletrônica, bem como catalizador para toda linha.

Estas últimas modificações visavam o atendimento às normas de emissão de poluentes que estariam em vigor no continente europeu a partir do ano seguinte e acabavam por modificar a potência dos motores disponíveis: o 1.4 caía para 69 cv, ao passo que o 1,6 reduzia para 77 cv e o 1,8 para 90 cv.

Dois anos após o lançamento, no Salão de Genebra de 1992, a Tempra SW apresentava ao mercado uma versão com tração integral permanente atrelado ao motor de 2,0 litros. O sistema era dotado de três diferenciais (dianteiro, central e traseiro) e um acoplamento viscoso do tipo Ferguson, operando com repartição de torque de 56% à frente e 44% à traseira em condições normais e variando-a conforme as situações anormais de tráfego notadas pelo veículo.

O diferencial traseiro podia ser bloqueado até a velocidade de 25 km/h ao comando do motorista, por um acionamento eletropneumático, para garantir que cada roda desse eixo recebesse o mesmo torque da outra. Nessa versão os freios a disco estavam presentes nas quatro rodas e eram dotados de sistema ABS de série.

Em abril de 1993 uma leve reestilização na seção frontal acompanhava evoluções de segurança passiva. Itens como barras de proteção nas portas, assoalho reforçado e bolsa inflável para o motorista (este último apenas em algumas versões) se tornavam padrão para ambas as carrocerias. O motor 1,6 logo ficava mais potente (90 cv) ao adotar injeção multiponto, como veríamos no Tipo nacional a partir de 1996.

Uma vida tranquila

O Tempra teve sua produção europeia finalizada em agosto de 1996, dando lugar ao Fiat Marea. Enquanto compartilhava chassis, mecânica e mesmo as portas com o Tipo, outros dois veículos eram baseados no Tempra: o Alfa Romeo 155 trocava o motor pelas unidades da própria marca milanesa e realizava mudanças de suspensão e chassi.

Paralelamente, o Lancia Dedra era idêntico ao Tempra em termos mecânicos, com visual próprio da marca e com o acabamento superior que lhe era tradicional, bem como pequenas modificações que traziam maior sofisticação ao veículo.

Algumas variações do Tempra no mercado europeu eram singulares e interessantes: ao passo que o Tempra produzido na Turquia pela Tofas chegava aos 148 cv com um motor 2.0 de 16 válvulas, o mercado da Europa Ocidental tinha a opção do Fiat Marengo: uma versão comercial da Tempra SW, sem bancos e vidros traseiros, tornando-a uma van de quatro portas – comumente aliada ao motor 1.9 diesel sem turbocompressor.

Fora isso, o Fiat Tempra teve uma vida tranquila, sendo reconhecidos pelo mercado como carros de bom custo x benefício e resistentes, com boa economia de combustível para seu porte. Um problema que assolava o carro italianos dos anos 1970 e 80, a corrosão também se mostrava ausente do tipo tre provindo de Turim. Já a mídia especializada europeia ressaltava como virtudes do Tempra o equilíbrio dinâmico, a aerodinâmica favorável e o conforto de rodagem.

Se tudo isso fez do Fiat Tempra um carro que cumpriu sem papel sem grande ressalvas na Europa, no Brasil a coisa seria diferente: um mercado em convulsão e inovações tecnológicas fariam do Tempra um marco histórico, amado por muitos e com restrições de outro lado. Mas isso ficará para a segunda parte do especial sobre os 30 anos do Tempra, em breve aqui no Autos Segredos!

(*) É engenheiro mecânico formado pelo Cefet-MG

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