Marca francesa teve acertos, mas também adotou caminhos controversos em sua trajetória recente no mercado
Por Fernando Miragaya
Entre as marcas francesas, a Renault é a com melhor participação de mercado. Mas também é a mais datada e, talvez, a que aparenta estar mais “perdida” neste momento. Se Peugeot e Citroën foram salvas pela Stellantis, a fabricante do losango ainda está na expectativa por novos produtos, enquanto aprende com erros estratégicos do passado.
Hoje, a Renault tem um carro de bastante volume, o Kwid. Porém, além de ser um automóvel que não garante uma rentabilidade daquelas, a marca tem a base do portfólio em projetos defasados e associados à sua divisão romena Dacia.
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Uma renovação da linha está prevista para começar a partir de 2024. Porém, até lá, a montadora parece estar se equilibrando com o que tem. Reflexo de alguns erros estratégicos que a Renault teve em meio a vários acertos.
Os primeiros erros estratégicos: início de importação da Renault
Após a abertura das importações pelo governo Collor em 1990, a Renault deu seus primeiros passos no Brasil pelo Grupo Caoa, já dono de uma forte rede de concessionárias no país. O empresário Carlos Alberto de Oliveira Andrade assumiu a representação da marca francesa em 1992 para escrever uma história breve, porém conturbada.
Comenta-se que o pós-venda da Renault nessa época era caro e faltavam peças, mesmo para modelos compactos, como o Clio. Para complicar, a relação entre montadora e importador começou a azedar em 1995, depois que a marca francesa revelou que iria produzir carros em São José dos Pinhais (PR).
A Renault quis pegar a representação de volta e o Grupo Caoa não gostou nem um pouquinho disso. O caso foi parar nos tribunais e em 1998, meses antes da inauguração da unidade paranaense, a Justiça decidiu a favor do empresário brasileiro.
Restou à montadora pagar uma nota de indenização. E ficar com a fama de pós-venda complicado…
Sedãs médios
Não vamos nem entrar no mérito dos primeiros R21 e Mégane argentinos. Vamos tratar já do novo milênio, quando a Renault naufragou em suas duas tentativas de vender sedãs médios no Brasil. Pior: com carros considerados bons.
O primeiro se deu com o Mégane. O carro era moderno e estava alinhado com o similar europeu. Produzido em São José dos Pinhais, foi lançado em 2006 – e aí já começam os problemas.
Antes de mais nada o Mégane chegou apenas um mês antes de um carro muito aguardado, o Honda Civic em sua oitava geração – conhecido como New Civic. Com posicionamento ruim e campanha publicitária abstrata – que não enaltecia outras virtudes do carro -, o Renault sofreu no segmento dominado por Honda e Toyota. Deixou de ser feito em 2010.
Naquele mesmo ano, nova investida da Renault no segmento. E nova frustração. Projeto sul-coreano da Samsung Motors, o Fluence tentava substituir o Mégane com um projeto mais barato e opção de compra racional.
Importado da Argentina, jamais fez sucesso – teve ano em que ficou atrás de Citroën C4 Lounge e Ford Focus Fastback nos emplacamentos. Passou a focar em vendas diretas para PcD e deixou de ser negociado em 2018, com descontos de até 30% sobre a tabela oficial.
Posicionamento do Duster
O Duster foi apresentado em 2011 cercado de expectativa. Afinal, era o primeiro modelo a peitar, de fato, o reinado do Ford EcoSport. Com tamanho de médio e proposta mais robusta, o modelo da Renault até chegou a incomodar o adversário e vender bem nos primeiros anos.
Um dos erros estratégicos é que a Renault manteve o posicionamento do seu utilitário esportivo depois de 2015, quando um número sem fim de crossovers chegou. O design controverso pouco ajudava e os atributos de custo de manutenção e espaço (bem) melhor não funcionaram para encarar modelos como Honda HR-V, Nissan Kicks, Jeep Renegade e Hyundai Creta.
Um símbolo para esquecer
No segmento de sedãs compactos, a Renault recorreu a uma estratégia usada por muitas de suas concorrentes no mercado brasileiro. Pegou a base do Clio Sedan, mudou frente e traseira, tascou uns equipamentos a mais e motor 1.6 e lançou o Symbol.
A ideia era que o três-volumes, lançado em 2009, disputasse mercado naquele chamado subsegmento de compactos premium, com Honda City e VW Polo Sedan. Obviamente não deu muito certo pelas razões já citadas: era um projeto velho e adaptado.
Para complicar, o Logan havia sido lançado anos antes. Era tão simples quanto, mas era muito mais espaçoso, tinha custo de manutenção mais em conta e, ainda por cima, era mais barato. O Symbol foi descontinuado em 2013 e se revelou como um dos erros estratégicos mais simbólicos da Renault – sem o perdão do trocadilho.
Oroch e sua Duster-dependência
A Renault foi pioneira do que hoje chamamos de picapes médios-compactas. É aquele segmento onde a Fiat Toro nada de braçadas e no qual a nova Chevrolet Montana chegou para abalar. Pois é, quem parece desconexa é a própria Oroch.
O grande drama da picape da Renault é que ela é muito arraigada à primeira geração do Duster. Não só no design bastante controverso, como na simplicidade do acabamento e na concepção do projeto.
No ano passado até passou por um face-lift e ganhou motor turboflex. Porém, continua vendendo ¼ do que a Toro emplaca.
Sandero e Logan perderam o bonde da história
Em 2017 a Renault alcançou seu recorde de participação de mercado no Brasil. Foram mais de 167 mil unidades vendidas, crescimento de 11% em relação a 2016 e um market share de 7,7% (automóveis + comerciais leves), de acordo com dados da Fenabrave.
Depois disso, foi ladeira abaixo. A Renault não virou a chave. Em um momento em que hatches e sedãs já desidratavam frente ao crescimento dos SUVs, a marca ainda cometeu o erro estratégico de investir uma grana na renovação de Sandero e Logan, em 2019.
Em todo o ano de 2022 a dupla não somou mais que 21 mil unidades. Quem segura as pontas entre os automóveis de passeio é o Kwid. E quem garante a rentabilidade mesmo das operações é a Master, a van/furgão mais negociada do país.
Foco em carros sem rentabilidade
Como dito, a Renault apostou em carros com margens pequenas. Sandero e Logan não só vendem pouco, como estão defasados e mal posicionados no mercado (são mais caros que projetos mais modernos e com motores mais novos). Ou seja, nem representam volume para ganho de escala.
Você pode até contestar que a marca fechou 2022 ainda com bons 6,7% de participação e 126 mil unidades emplacadas. Só que quem traz esse volume é o Kwid. O carro mais barato do Brasil vende aos tubos, porém, em um segmento de subcompactos que é conhecido pelas margens magras.
Demora em ter mais SUVs
A Renault cometeu outro erro estratégico ao tardar em se mexer onde a rentabilidade estava. Com a avalanche de SUVs no mercado brasileiro, a marca manteve apenas o Duster e só lançou o Captur – com mais uma solução caseira.
O crossover estiloso estreou em 2017 feito sobre a mesma base do Duster. A única diferença é a carinha bonita e o preço bem mais salgado. Em termos de motores, começou com os mesmos do SUV veterano – só foi ganhar o 1.3 turboflex em 2022.
Fora isso, se algum consumidor entrar na concessionária da Renault e quiser comprar outro SUV, terá de mudar de marca. É Duster ou Captur. A fabricante francesa até ensaiou trazer o Koleos, de olho no atraente segmento de SUVs médios, mas desistiu do projeto.
O investimento anunciado pela montadora no Brasil no ano passado – de R$ 2 bilhões até 2025 -, pelo menos, abre uma nova perspectiva em relação à Renault. O aporte será usado em um SUV-cupê feito na plataforma modular CMF-B, que ainda tem possibilidade de fazer veículos eletrificados.
O investimento também será usado em uma nova família de motores 1.0 com turbo e injeção direta.
Alaskan – erro estratégico ou acerto da Renault?
A picape média que a Renault produz na Argentina é quase uma sinopse de novela ruim. A Alaskan faz parte de um projeto conjunto entre a marca francesa, Nissan, Mitsubishi (as três compõem uma aliança) e a Mercedes-Benz.
Este acordo previa, além dela, a nova geração da Frontier (já lançada), a nova L200 (revelada na Europa) e a Classe X, um dos maiores fracassos automotivos e da Mercedes de todos os tempos. Enfim, a Alaskan até foi prometida para o Salão de São Paulo de 2018, deu pinta no estande da Renault no evento, mas sumiu quando a feira foi aberta ao público.
Quando todo mundo achava que essa picape nem ia passar perto do Brasil, eis que a Argentina inicia a produção da mesma em Córdoba no fim de 2020. Em 2021 começaram as vendas da Alaskan por lá, mas, até agora, nada de Brasil.
Fontes de mercado falam que a Alaskan não vale o esforço da Renault para se aventurar em um segmento dominado por Toyota, Chevrolet e com outros pesos-pesados estabelecidos. A venda da picape por aqui demandaria um investimento para preparação da rede e tudo mais.
Vale lembrar que a Renault teve a sábia ideia de abortar a picape derivada do Logan, lá no fim dos anos 2000. E talvez tenha aprendido com o erro estratégico da Oroch, como já mostrado. Fato é que a Alaskan é feita aqui do lado. E que pode vir a qualquer momento. Ou não.
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