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A história da Troller, o jipe arretado

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Conheça a história do 4×4 que inaugurou uma marca brasileira, mas que termina pelas mãos da Ford de forma melancólica

Por Fernando Miragaya

Pode-se dizer que mais um sonho de marca brasileira de automóveis chega a um fim melancólico. Apesar de há quase 14 anos ser controlada pela Ford, a Troller nasceu como um projeto nacional, com fábrica no Ceará, e que deixará uma legião de fãs. O último jipe T4 saiu de linha na primeira quinzena de outubro e encerra uma história relativamente curta, porém cheia de fatos curiosos e esquisitos.

História interrompida mais a reboque da decisão da Ford de não produzir mais nem um parafuso no país, é verdade – e de sua desistência, de uma hora para a outra, de não vender a marca. Resta relembrar os fatos mais importantes da trajetória do fabricante cearense, que por décadas vendeu praticamente uma única opção de modelo: o jipe T4.

O começo

A história da Troller começa em 1995, quando o engenheiro cearense Rogério Farias começou o desenvolvimento de um novo utilitário 4×4 em Horizonte, município distante cerca de 50 km de Fortaleza. O primeiro protótipo foi fabricado em abril de 1996.

O nome

Troller é uma corruptela para o termo troll, que se refere a um personagem das lendas escandinavas. São seres que habitam florestas e cavernas da Noruega, e que protegem seus visitantes. Segundo o “folclore nórdico”, os trolls se caracterizam por trazerem sorte e serem leais.

Laboratório

Entre 1996 e o fim de 1997, 44 protótipos do jipe cearense foram vendidos para pilotos de rali, como uma espécie de laboratório de testes do jipe. O retorno foi positivo, de maneira geral, e os modelos da Troller fizeram sucesso nas competições fora de estrada das quais participavam.

Mudança

Apenas dois anos depois da fundação, a empresa passou para as mãos de Mario Araripe, empresário dos segmentos têxtil e de construção civil. Foi ele quem injetou grana para trazer melhorias para a unidade e para o carro. A fábrica recebeu investimentos e teve as instalações ampliadas. Os aportes também chegaram à engenharia, para tentar melhorar a qualidade do jipe.

O primeiro

No mesmo ano, sai o primeiro modelo de produção em série da Troller, o RF Sport. A carroceria era feita de plástico e fibra de vidro. Tinha chassi tubular e os eixos – e alguns outros componentes – eram emprestados do Jeep Cherokee. As suspensões eram por eixo rígido.

Capacidade off-road

Com 3,94 metros de comprimento, 1,88 m de altura e 2,40 m de entre-eixos, o Troller tinha cabine simples, com muitos componentes vindos de modelos Volks. Porém, a capacidade fora de estrada era invejável: ângulo de ataque de 56º, ângulo de saída de 47º, inclinação máxima lateral de 45º, vão livre do solo de 21,5 cm e capacidade de atravessar trechos com até 80 cm de profundidade – com snorkel.

Motores

No início, o jipe era equipado com motor 1.8 AP, isso mesmo, o apezão da Volkswagen, a gasolina e com 99 cv de potência. Já em 1998 passa a usar o motor 2.0, também AP, com 110 cv. O câmbio era o manual de cinco marchas e a tração, claro, 4×4 com reduzida.

Ano de ouro

O ano de 2000 é marcante para a Troller nas competições nacionais e internacionais off-road. Os modelos da marca se sagraram campeões do tradicional Rally dos Sertões e na categoria Geral do Rally Cross Country.

Também alcançaram os lugares mais altos do pódio na Copa Dunas e na Copa Baja Brasil. Lá fora, ainda fez bonito no icónico Paris Dakar, com uma quarta colocação na categoria para iniciantes.

Diesel

Em 2000, também começa uma nova fase na história da Troller. O utilitário, já conhecido como T4, passa a ser equipado com motor turbodiesel da MWM. Com injeção direta, 2,8 litros e quatro cilindros, gerava 114 cv a 3.200 rpm e torque máximo de 33,3 kgfm a 1.800 giros.

Upgrade

As primeiras mudanças mais significativas na história do Troller T4 aconteceram em 2002. A parte mecânica do jipe foi toda revisada. A montadora trocou os eixos do modelo e o carro passou a ser equipado de série com bloqueio do diferencial traseiro, freios a disco nas quatro rodas e roda livre. No embalo, porta traseira, bancos novos (e mais macios) e acabamento melhorado.

Torneio próprio

A exemplo do que marcas como Mitsubishi já faziam, a empresa criou uma competição própria para seus clientes. Com cinco categorias – desde iniciantes até graduados -, em 2003 ocorreu a primeira edição da Copa Troller, voltada para donos do jipe.

Sentido!

Ainda em 2003 a fábrica lança o T4-M, a versão de uso militar do utilitário cearense, de olho em um filão que a Agrale explorava muito bem. Foi enquadrado na categoria das Forças Armadas como Veículo de Transporte Não Especializado (VTNE), mas era vendido para pessoas físicas também – sob encomenda.

O T4-M foi homologado com o motor MWM 2.8, mas depois a Troller disponibilizou versões com o novo motor com gerenciamento eletrônico (do qual falaremos a seguir), só que a corporação teria recusado as unidades. Isso por razões “de campo”: o propulsor poderia deixar rastros eletromagnéticos, facilmente detectados por radares e sensores, e eram considerados vulneráveis em uma eventual guerra.

Face-lift

O T4 sofreu sua primeira remodelação visual em 2004. A principal alteração foi na frente, com adoção de faróis redondos. O acabamento interno também mudou e a cabine ganhou mais porta-objetos. A engenharia ainda deu um trato nos freios e na suspensão.

Motor eletrônico

Em 2006, a linha Troller passou a ser equipada com o motor International com gerenciamento eletrônico. O 3.0 turbodiesel se destacava pelas acelerações bastante vigorosas. A potência era de 165 cv enquanto o torque máximo chegava a 38,8 kgfm.

Primeiros erros

No Salão de São Paulo de 2004 a Troller apresentou a picape derivada do T4. Chamada de Pantanal, começou a ser vendida em janeiro de 2006. Sempre em cabine simples, usava chassi alongado do jipe, o mesmo conjunto com motor 3.0 e tração 4×4 e capacidade de carga de 1.300 kg.

Com a Pantanal, a marca queria pegar o vácuo deixado no mercado pelo fim do Toyota Bandeirante em sua variante picapeira. O modelo da Troller teve até versão militar para o transporte de até 14 soldados. A linha, como um todo, se tornou um dos maiores micos como veremos mais à frente.

Os ianques estão chegando!

Em 2007, a Ford comprou a marca e assumiu o controle da produção da Troller. Muita gente estranhou a aquisição, uma vez que, definitivamente, a marca não precisava da tecnologia dos robustos jipes brasileiros.

Na verdade, a Ford estava de olho nos incentivos fiscais da marca cearense. Na operação, o fabricante ficou isento dos tributos que recaiam sobre a produção das linhas Ecosport e Ka produzidas em Camaçari, na Bahia.

Recolhe tudo!

Lembra que a Pantanal foi um mico? Pois é, além de não vender quase nada em um ano de comercialização – a marca previa 1.000 emplacamentos, mas só entregou 77 unidades -, a picape tinha um problema grave de projeto, logo detectado pela Ford.

Foram constatados defeitos “irreversíveis” na Pantanal, que implicavam em possíveis fissuras no chassi da picape, o que afetava o comportamento dinâmico do modelo – e a segurança dos passageiros. Como o problema era na estrutura, um recall foi descartado e a Ford tratou de recomprar todas as 77 unidades vendidas e destruí-las.

Expedições

Depois de uma pequena reestilização em 2008, o T4 ganhou sua primeira série especial em 2010. Chamada de Expedition, foi limitada em 100 unidades e oferecia garantia de dois anos. Em equipamentos, trazia bagageiro tipo bandeja no teto, snorkel, peito de aço, protetores nas lanternas e nas setas, para-barros, soleiras nos estribos, molduras nos para-choques e na grade e rodas de liga-leve.

Tempestade no deserto

Um ano depois, mais uma série para a linha 2012 do jipe. O T4 Desert Storm teve apenas 45 unidades, sempre na cor bege fosco. Além, disso, a edição saía com capota rígida removível, guincho com capacidade para rebocar 4,3 toneladas, para-choques diferentes, peito de aço, protetores de lanternas e capa de neoprene nos bancos.

Mudança de motor

A primeira grande mexida na Troller sob domínio da Ford ocorreu em 2013. O T4 passou a ser equipado com o motor MaxxForce 3.2 da MWM International. Com turbina de geometria variável (TGV) e pressão de injeção de combustível elevada, gerava 165 cv e quase 39 kgfm de torque.

O propulsor também era dotado do sistema de recirculação de gases (EGR) para atender as normas então vigentes, Proconve L6. O motor também já era compatível com o “novo” diesel D50.

Nova geração

A segunda geração do T4 foi lançada em 2014, com chassi e conjunto mecânico novos. De cara, desagradou muitos fãs puristas do modelo cearense, que acharam que o carro ficou Nutella demais e perdeu sua essência jipeira. Realmente, o carro passou a ter linhas mais dinâmicas e modernas, e menos padrão quadradão.

A carroceria continuou sendo feita de compósito especial, fibra resistente a impactos e imune à corrosão. No design, a grade dianteira adotou desenho entrelaçado e as lanternas eram de LEDs. A traseira recebeu spoiler integrado e o teto ganhou barras longitudinais. O padrão bicolor virou opção, com detalhes cinzas em diferentes partes do casco.

No motor, a grande novidade era a adoção do 3.2 turbodiesel de cinco cilindros e 200 cv e 47,9 kgfm com câmbio manual de seis velocidades – mesmo conjunto da Ford Ranger. O T4 também passou a vir de série com controle eletrônico de tração e diferencial traseiro autoblocante.

Ao resgate!

No Salão de São Paulo daquele ano a Troller aproveitou para exercitar variantes do novo T4. Uma delas foi a configuração especial Off-Road, um car show para valorizar a linha de acessórios da marca, com snorkel, guincho, peito de aço, para-choque dianteiro e traseiro diferenciados e pneus lameiros, além de amortecedores de alta performance.

Ainda no estande da marca no autoshow apareceu o carro-conceito Rescue. Era um T4 adaptado para funcionar como unidade de resgate. Pintado na cor laranja com detalhes em azul, trazia lanternas diferentes da gama, luzes de LED nas laterais, pneus especiais, rodas aro 17″ e bote no teto para ações de salvamento.

Mais uma série e nova versão

Em 2016, outra edição especial. Limitada a 180 unidades, a T4 Bold foi vendida em três opções de cores: vermelha, branca e amarela. Na carroceria, detalhes em cinza escuro e ganchos frontais vermelhos. Na cabine, mais detalhes cinzas e central multimídia Kenwood com GPS, DVD, Bluetooth e USB.

Três anos mais tarde, a linha passou a ter a variante Trail. De destaque, para-choques com estrutura e ponteiras de aço, snorkel, alargadores dos para-lamas e protetores de aço dianteiro e traseiro.

Enfim, automático

Só no fim de vida que a Troller finalmente passou a oferecer câmbio automático para o T4. A nova versão TX4 passou a ser equipada com transmissão de seis velocidades e modos de condução Sport e sequencial. Outra novidade foi o acionamento elétrico do bloqueio do diferencial traseiro.

Fim melancólico

Em janeiro deste ano, a Ford anunciou o fim de toda e qualquer atividade industrial no país, e arrastou a Troller. Porém, na ocasião, a linha de jipes ganhou promessa de sobrevida de mais meses do que Ka e EcoSport, que tiveram a produção em Camaçari interrompida quase que de bate-e-pronto.

Só que a montadora norte-americana chegou a anunciar a intenção de vender a marca. O governo do Estado do Ceará até se mobilizou e pelo menos três empresas manifestaram interesse no negócio. A Ford, porém, roeu a corda e resolveu só vender as instalações e maquinário de Horizonte.

Com isso, o último T4 foi produzido recentemente. A fábrica continuará em operação por alguns meses para fazer estoque de peças. Mas o futuro dos quase 500 funcionários da unidade cearense tende a ser o mesmo dos mais de 5 mil demitidos das fábricas da Ford de Camaçari, São Bernardo do Campo (SP) e Taubaté (SP).

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