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[Opinião] Escapamento do Corolla Cross é feio, mas e daí?

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Escapamento aparente e com pintura pela metade não afetará em nada a função e desempenho da peça no Corolla Cross da Toyota

Por Renato Passos (*)

Eu gostaria de escrever mais vezes, mas nem sempre a vida profissional e os horários do cotidiano me permitem. Entretanto, quando o faço em parceria de longa data com o Autos Segredos, comumente falando sobre a história de automóveis desconhecidos ou casos de engenharia, sempre cito outra paixão minha de forma quase involuntária: a música.

Em 3 de agosto de 1987, chegava aos ouvidos do público mundial o álbum “Hysteria”, da banda inglesa Def Leppard. Pesquise sobre: era um álbum que marcava o retorno do baterista da banda após perder um braço (!) depois de um ensaio para o primeiro Rock In Rio, no final de 1984. Mas isso é assunto para outro momento na roda do bar: o foco aqui é o termo em português correspondente ao nome do disco lançado – obviamente, falamos sobre histeria.

Quase 35 anos após a data supracitada, me deparo com a seguinte notícia: “Ministério da Justiça investiga escapamento do Toyota Corolla Cross”. Parei o que vinha fazendo até aquele momento e foquei na reportagem em questão. Afinal, com a mente de um engenheiro que sempre lida com falhas no campo automotivo, prontamente imaginei: “o que está vindo por aí dessa vez?”.

E sim, carros apresentam falhas de projetos que chegam às ruas: Desde Fiat Tipo pegando fogo em meados dos anos 1990 até Chevrolet Tracker com risco de incêndio no ano corrente, passando por problemas de câmbio dos Ford Powershift e eixos com fratura indevida nos VW Polo e Virtus, sempre houve e haverá aquele ponto que sairá fora da curva do escrutínio de uma massa de engenheiros que conduzem a gestação de um carro.

A questão cabal é: o defeito em questão traz riscos para si, para terceiros ou para o ambiente ao redor durante a utilização do veículo? Se a resposta for “sim” como no defeito acima relatado dos VW, ou no cubo de roda dos Fiat Stilo que outrora se soltavam, é necessária tomada imediata de ação por parte do fabricante para resolução do problema e máxima mitigação dos riscos inerentes à falha. O que, por via de regra, é feito em nosso país.

Por outro lado, se a resposta for “não” também é necessário o reparo. Mas sem a corrida contra o relógio para evitar que uma vida seja ceifada. Como, por exemplo, o desgaste prematuro dos botões no volante de um Fiat Punto que tive: feio de ver e chato de conviver (para quem tem TOC com isso como eu), mas sem risco algum durante o uso do carro.

Retornando à notícia do Toyota Corolla Cross, me vi perplexo por não haver falha alguma de projeto. Reitero o termo: não existem falhas. O que existem são características do veículo que não agradaram a “X” ou “Y” e que talvez tenham repercutido muito além do devido.

A característica de um veículo pode ser fator de perigo para usuários, terceiros ou ao meio que o cerca durante o uso do veículo? Dificilmente: sempre será perigoso dirigir uma Kombi a 120 km/h nas melhores rodovias do Brasil estando nos conformes da lei. Mas o projeto do holandês Ben Pon no final dos anos 1940 talvez não previsse a circulação a qualquer velocidade composta por três dígitos: uma característica falha do produto ou uma mera característica? Voltaremos posteriormente a esse cenário.

Mudemos o quadro novamente para a notícia do dia: o alvo da investigação do Ministério da Justiça seria “uma pintura preta do escapamento do Toyota Corolla Cross, que seria uma solução improvisada, passível de investigação do Ministério da Justiça, apurando suposta má qualidade”.

Mas por que diabos pintaram o escapamento do dito cujo? A resposta está aqui.

Basicamente, houve um clamor anterior quanto a um componente do escapamento – o silencioso – demasiadamente aparente até o ano-modelo 2022. Fato esse que não impede o modelo de apresentar bons números de venda e no passado já fora motivo de polêmica: enquanto o Def Leppard lançava Hysteria em 1987, a Volkswagen corrigia o mesmíssimo quadro no então amado e benquisto Santana: a reclamação, entretanto, provinha de parte da mídia e não dos usuários que adoravam o três-volumes de ascendência germânica.

VW Santana
Foto | VW/Divulgação – Escapamento do VW Santana também era aparente

E a história se repete: ninguém foi enganado até o momento em que a Toyota pintou o escapamento do veículo. Os candidatos a proprietário foram até a concessionária, viam aquilo, não se importavam – ou julgavam de menor importância que outras virtudes – e compravam o carro assim. E foram felizes para casa: ninguém tropeçou em uma venda onde a foto mostrava a oitava maravilha terrestre e recebiam em casa um caixote de areia.

Até porque um escapamento sem pintura não oferece riscos a nada e nem a ninguém.

Frise-se que diversos outros fabricantes, como meio de economia em escala produtiva, utilizam pintura sem verniz – ou sequer pintam da cor do veículo – partes como o cofre do motor e o piso do porta-malas. E está tudo bem: caso o consumidor não concorde, não há nada de mal. Não existe uma arma apontada para a cabeça do cliente obrigando-o a comprar aquele veículo, e o mercado está aberto com diversas outras opções.

O erro, talvez, foi dar ouvidos a quem julgava uma aberração aquela seção aparente do sistema de escape. Que, pelo que se vê nas ruas, não são os consumidores satisfeitos com o veículo em questão: digo isso sem “clubismo”, pois não sou dono de um Corolla Cross e nem sequer pretendo tê-lo (meu Corolla de desejo tem a sigla “GR” após o nome e é apaixonante sem sequer andar em um!).

Logo, quem escolheu o escapamento feio como Judas? Voltemos a 1987: teria sido uma parte da imprensa – ou uma fatia de pessoas que sequer são clientes, mas foram inflamados por vozes provindas de meio de comunicação como no caso do Santana? É o que me parece mais plausível.

Hysteria – o álbum, não o que ocorre em volta do Corolla Cross – é composto por 12 faixas. Mas no caso do SUV da Toyota também não se trata de um samba de uma nota só: também existem reclamações sobre diferenças do veículo vendido no Brasil e o oferecido no exterior. Para além do escapamento, o uso de uma suspensão menos refinada em termos de modelo oferecido e o acionamento manual do freio de estacionamento foi ventilada como o décimo-primeiro mandamento pecaminoso na tábua de Moisés.

Escape Corolla Cross
Foto | Marlos Ney Vidal/Autos Segredos – Pintura pela metade é falta de capricho, mas não atrapalha em nada o desempenho do Corolla Cross

Novamente, a mesma triagem feita no âmbito do escapamento deve ser realizada: suspensão por eixo de torção ao invés de Multilink não configura riscos para ninguém – são mais de 50 anos de uso com sucesso, sempre melhorada com o avanço da engenharia e ainda amparada por diversos controles e sistemas embarcados que fortalecem a segurança veicular. O mesmo se aplica por freio de estacionamento acionada por pedal (como muitos Mercedes-Benz faziam até pouco tempo atrás).

Considero uma economia tola da fabricante japonesa? Sim: concorrentes como Compass, Taos e Tiggo 8 apresentam justamente aquilo que a Toyota oferece em seu modelo nos mercados de primeiro mundo. Mas daí a enganar alguém há um fosso quase intransponível: em algum momento a Toyota informou que o carro viria com a suspensão “XPTO” e/ou com freio de estacionamento elétrico e o veículo foi entregue de maneira distinta? Até onde pude levantar, longe disso.

Voltando ao cenário da Kombi a 120 km/h, essa histeria transmitindo uma noção de risco, dano ou engano me parece não somente de má-fé: me soa como perigosa e com precedentes na história do automóvel. Nos anos 1960 a Chevrolet foi vítima de campanha alegando insegurança do principal concorrente do Fusca no mercado norte-americano. 

Chamado de Corvair, o tempo mostraria que ele não era nada distinto do que os veículos de sua classe ofereciam em termos de dirigibilidade. Mas até que se provasse que focinho de porco não é tomada (nenhum animal foi ferido na elaboração deste texto!), já era tarde demais e a imagem do interessante Chevrolet com motor boxer já estava chamuscada.

Carro com capô aberto

Descrição gerada automaticamente com confiança média
Foto | Reprodução da Internet

Chamuscado – de forma quase literal – também ficaria um produto da Ford nos anos 1970 com novas alegações de insegurança: a fama de incendiário do Ford Pinto também levou a uma rejeição do veículo pelo consumidor por fatos posteriormente vistos como deturpados. A história da Audi na terra do Tio Sam também quase é interrompida em meados nos anos 1980 por campanhas difamatórias contra veículos da marca que aceleravam sozinhos e matavam pessoas.

No caso brasileiro, o potencial de danos é infinitamente menor: afinal, qual é o risco de um escapamento pintado por forças quase ocultas como pressão sobre um produto sem riscos para o usuário? Risco de ser enganado? De ficar triste? Não me parece. Entretanto, vivemos em uma era onde o imediatismo da informação sem o devido embasamento transforma facilmente um algodão em uma bola de neve em velocidade muito maior do que aquela que pode ser alcançada por qualquer carro aqui citado.

Cabe, portanto, a autocrítica daqueles que promovem tal histeria sem a devida ponderação. Autocrítica essa que a Chevrolet teve, por exemplo, em 1985 – um ano após o lançamento do então revolucionário Corvette de quarta geração (C4). Equipado com o então incipiente sistema de injeção eletrônica, o motor V8 de 5,7 litros era alimentado por um sistema chamado “Cross-Fire” que além de problemático era um porre para mecânicos e uma desilusão para quem buscava acelerar o belo esportivo da GM.

O pouco de potência que aquele motor oferecia (205 cv), entretanto, foi o suficiente para que Rick Allen – baterista do Def Leppard – sofresse o acidente que mudaria sua vida com a perda de um de seus membros superiores. Hysteria, na vida dele, foi símbolo de renascimento. Mas não na nossa, de consumidor comum. Portanto, de forma distinta e não-acidental, preservemo-nos: não deixemos que a histeria seja para além de um bom álbum de Rock and Roll.

E até a próxima!

(*) É engenheiro mecânico formado pelo Cefet-MG

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