Conheça o “Jet på hjul” da marca sueca, famosa, por seus carros heterodoxos e também por seus aviões militares

Por Renato Passos (*)

Alerta: perdoem-me, de antemão, por alguma eventual imparcialidade ou emoção exacerbada. Afinal, falaremos de uma marca que eu adoro – e de um modelo que é o ápice de seu ideal sobre rodas. Até mesmo porque, hoje em dia, automóveis da Saab são apenas uma memória do passado para o fabricante que surgiu e permanece atuante no mundo aeronáutico.

Entretanto, em um passado não muito distante, a Saab era uma fabricante com produtos peculiares, com um nível imenso de desenvolvimento, soluções únicas e sem ligar muito para o que a concorrência estava fazendo. Seu nirvana também foi sua queda, que passou por um momento de incerteza contínua nos anos 1990 baseado em uma participação societária da General Motors até seu fim durante os anos 2000.

Mesmo com altos e baixos, uma coisa que sempre esteve presente nos últimos 30 anos na linha de produtos oferecida pela Companhia Sueca de Aeroplanos Limitada (Svenska Aeroplan Aktiebolag – ou SAAB!) eram veículos de desempenho interessante como complemento apimentado de seus produtos tradicionais. Para que possamos entender sua existência, é necessário entender a base de sua criação: o Saab 9-3.

Um mestiço na área

O mundo globalizado é uma benção para a humanidade, com evoluções consideráveis. Mas, por vezes, cobra seu preço: a Saab saiu dos anos 1980 financeiramente mal das pernas. Ou buscava ajuda ou fechava as portas. Os suecos, naquele momento, escolheram a primeira opção.

Em 1989, a divisão de automóveis da Saab foi reestruturada em uma empresa independente, a Saab Automobile AB. A General Motors e um grupo investidor sueco controlavam a empresa meio-a-meio. Além disso, o envolvimento da GM com a fabricante sueca estimulou o lançamento de uma nova geração de seu maior sucesso naquela época, o Saab 900.

Lançado em 1994, o veículo fora desenvolvido sobre a uma plataforma da General Motors, a GM2900. Se essa sopa de letrinhas e números não faz sentido para você, nós traduzimos: é a mesma plataforma dos Vectra de primeira e segunda geração, do Calibra e de tantos outros sucessos daquela época.

Sucesso, aliás, era um adjetivo também aplicável ao novo 900. Em grande parte pela aceitação do público que se traduziu em vendas, a Saab obteve lucro em 1995 pela primeira vez em sete anos. No entanto, o modelo nunca alcançou o culto exercido sobe o “clássico 900” bem como não alcançou a mesma reputação de qualidade. Assim, mudanças viriam para breve como resposta a estes contrapontos negativos.

Lançado em 1997, como modelo 1998, aposentando de vez o 900, chegava o Saab 9-3. Ou 9³, como a fabricante inicialmente havia nomeado seu automóvel, ainda desenvolvido sobre a plataforma de seu antecessor – mas com mais de 1.100 alterações realizadas, conforme o fabricante. Seria produzido na Suécia e Finlândia até 2002, quando ganharia uma nova geração mais alinhada com o novo milênio.

Disponível com três e cinco portas, bem como um belo conversível, o 9-3 foi o último produto a oferecer os motores da série “B” da marca sueca, historicamente utilizados e desenvolvidos a partir de um motor Triumph inglês nos anos 1970. Motores 2.0 com e sem sobrealimentação, uma tradição pelo pioneirismo da Saab nesse aspecto, equipavam o nosso interessante sueco.

Entretanto, alguém em Trollhättan (a tradicional terra da marca) ouviu Europe e Roxette demais e decidiu fazer um míssil sueco do naipe da linha “R” que fazia sucesso em sua histórica arquirrival, a Volvo. O pior (ou melhor!) é que deram ouvidos a este alguém.

Sob as bênçãos de Thor, o raio

Em 1999, veio aquilo que seria o mais excêntrico nos já heterodoxos modelos da Saab até aquele momento: o Saab 9-3 Viggen. Viggen, a propósito, significa “raio” em sueco. Para além de demonstrar o caráter de força daquela versão, era uma homenagem ao avião Saab 37 Viggen – um caça, diga-se de passagem.

O Saab 9-3 Viggen seria um sucessor espiritual do icônico 900 Turbo, mas também foi a primeira tentativa real da Saab de ramificar sua própria divisão de desempenho, como o M da BMW ou o AMG da Mercedes-Benz. Inicialmente disponível apenas em três portas (as outras carrocerias teriam a opção do Viggen a partir de 2001), era um carro lindíssimo mesmo frente ao 9-3 regular.

Todos os Viggen ganharam novos parachoques dianteiro e traseiro, bem como as saias laterais e o redesenhado aerofólio traseiro que exigia a realocação da antena de rádio do veículo. Essas mudanças eram responsáveis por diminuir a resistência aerodinâmica em 8%, conforme informado pela marca. 

Os logotipos triangulares exclusivos da versão em amarelo e preto foram colados em ambos os paralamas dianteiros como forma de mostrar que havia algo a mais ali. Juntamente com o tom de azul exclusivo para o modelo, as fotos de lançamento deste carro com o zoom no contraste entre emblema e o azul marcaram a adolescência deste saudoso escriba.

No interior, o esportivo tinha assentos dianteiros esportivos em couro que foram muito elogiados em seu lançamento e era outra tradição da Saab. Eles também contavam com ajustes elétricos e aquecimento como opcionais, bem como combinações de cores: preto com inserções pretas, azuis, laranjas ou marrons. O símbolo da versão vinha cravado em baixo relevo no encosto dos assentos como a cereja no topo do bolo para tudo aquilo.

Um excelente sistema de som com controles no volante, teto solar, controle climático automático, espelho retrovisor com escurecimento automático, computador de bordo e sistema antifurto com travamento sem chave também eram presentes naquele ambiente evoluído do 9-3 Aero (SE nos Estados Unidos) comumente vendidos.

Uma obsessão dos fabricantes suecos diz a respeito a segurança veicular. No caso do Viggen, não haveria motivo para ser diferente: freios antibloqueio com distribuição eletrônica da força de frenagem, airbags dianteiros e laterais e pré-tensionadores do cinto de segurança começavam a dar o tom de segurança. Encostos de cabeça que “abraçam” a cabeça em um acidente, desembaçadores das janelas laterais e luzes diurnas se somam a lavadores e limpadores de farol neste show de cuidados com a vida humana.

Uma adorável peculiaridade dos Saab naquela época era o Night Panel, funcionalidade herdade diretamente da experiência aeronáutica: um botão próximo ao volante desliga a iluminação do painel de instrumentos para minimizar o brilho. Entretanto, caso seja necessário alertar o motorista de algo – como baixo nível de combustível ou motor operando próximo da linha de corte – apenas aquela parte do painel volta a ser iluminada. Iluminado em verde com ponteiros em amarelo, novamente remetendo ao mundo aeronáutico como deveria ser.

Por fim, uma iguaria deliciosa dos Saab também provinda do mundo dos aviões: o interruptor de ignição está localizado entre os assentos. Porque você trava a transmissão do carro com ela. E um Saab manual só pode ser ligado e desligado em marcha-a-ré! Restam dúvidas do quão peculiar eram os Saabs?

Usina de força

De cara, uma grande diferença estava no motor. Ao contrário de seus irmãos com motores de exatos 2 litros de deslocamento, o Viggen trazia consigo um motor de 2,3 litros equipado com um turbocompressor Mitsubishi TD04-HL15-5. De código B235R, o motor entregava 228 cv @ 5.550 rpm no seu primeiro ano de fabricação – ganhando mais 6 cv nos anos seguintes e chegando a 234 cv no total.

O torque também era abissal: 342 Nm logo a 1.950 rpm, o que traria problemas para o vigoroso sueco. Para além de 1,0 bar de pressão nominal de trabalho do turbo, uma série de mudanças frente ao motor 2.3 já aplicado em outros modelos era notado: resfriador ar-ar (intercooler) de maior capacidade térmica e fluxo de gases no escapamento otimizado.

E tem mais: o Viggen foi o primeiro 9-3 a usar o sistema de gerenciamento de motores Trionic 7 da Saab. Esse sistema gerenciava injeção, ignição, pressão de sobrealimentação (que chegava a 1,4 bar, elevado para padrões de fábrica) dentre outras grandezas na unidade de força – que era coroada com emblemas da versão na tampa de válvulas do motor.

Levando toda essa força pro chão, uma transmissão manual de 5 velocidades era acoplada a uma embreagem reforçada para serviço pesado, assim como as juntas e semieixos que saiam do diferencial para as rodas. Falando em rodas, um jogo maravilhoso de 17 polegadas era dotado de pneus Dunlop de alto desempenho, moderados por molas mais rígidas e baixas com amortecedores e freios reestudados.

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O resultado disso? Aceleração de 0 a 100 quilômetros por hora em meros 6,5 segundos. Quer mais? O quarto-de-milha (402 metros) a partir da inércia era vencido apenas 0,4 segundos mais lento que uma BMW M3 E36 conforme a revista Car and Driver. Tudo isso com números de consumo próximo aos 8,5 quilômetros por litro de gasolina na cidade e 12,3 na estrada, mesmo pesando pouco mais de 1.400 quilos.

Durante os 67 anos da Saab na fabricação de automóveis peculiares e incomuns inspirados em aeronaves, o Viggen se destaca hoje como um dos veículos de produção mais rápidos já fabricados pela marca. Mas o monstro escandinavo que estava pronto para vencer o BMW M3 em seu próprio jogo falhou, mesmo sendo o Viggen extremamente rápido e divertido de dirigir. O que pode ter acontecido?

Um perigo: míssil sem rumo

Talvez um prenúncio do que estava por vir, estava na deliciosa constatação de que, ao comprar um Viggen, você ganhava um curso de pilotagem promovido pela Saab. Nos Estados Unidos eram oferecidos dois dias de instrução para direção avançada no famoso circuito de Road Atlanta. No final coroava-se o evento com um jantar na presença dos executivos da Saab USA nas proximidades de Norcross, estado da Geórgia.

Tudo isso porque o Viggen era realmente rápido. Mas talvez mais do que seu chassi suportaria: lembra-se da plataforma GM2900 do Vectra e Calibra? Ela não acompanhou o crescimento da força gerado pelo motor B235R e levada ao solo. E isso faria do Viggen um carro incontrolável em algumas situações.

Esterçamento por torque é o nome do fantasma que assombrava o Saab esportivo. Em termos simplistas, um carro com tração dianteira e muita potência tira peso da porção frontal do veículo em uma aceleração mais abrupta. E nesse momento, sabendo que as rodas recebem quantidade diferente de torque devido ao desenho da transmissão, o carro tende a puxar violentamente para um dos lados.

Isso pode ser minorado com um bom ajuste de suspensão, mas a plataforma sobre a qual o 9-3 era montada tinha suas limitações. O motorista que se vire para colocar o carro nos trilhos. Quando provocado a fundo, o motor do Viggen liberava sua fúria e o chassi do Viggen não era suficiente para domar aquele monstro.

À medida que a potência e o torque fluíam, os pneus dianteiros do Viggen ficavam fora de controle, girando furiosamente se você não aliviasse o pé no acelerador. Como aquele Gol do seu vizinho ou amigo, com motor AP e um turbo do tamanho de uma melancia que seria um carro extremamente rápido se conseguisse sair do lugar.

No Saab, principalmente em primeira e segunda marchas, as faixas das vias poderiam mudar indesejavelmente mesmo em linha reta ao acelerar o Viggen com todo o vigor nele contido. Nas curvas, a tendência ao alargamento da trajetória por subesterço (sair de frente) também era uma constante se o pé direito não fosse devidamente moderado.

O que não era exatamente fácil, uma vez que o acelerador era tido como sensível e o motor realmente rápido nas respostas, por mínimas que fossem.  Ah, e isso porque a Saab moderou através de gerenciamento eletrônico o torque máximo a ser alcançado nas duas primeiras marchas: apenas 249 Nm na primeira e 329 Nm na segunda. 

Ainda sobre o subesterço, rapidamente surgiram opções no mercado de preparações para tentar “amarrar” de forma mais eficiente o chassi do Saab rebelde. Em piso molhado, a briga era ainda mais intensa: um misto de diversão, risco e cansaço tomava o corpo e a mente dos domadores desta besta escandinava.

Somente a partir da terceira marcha que a cavalaria era libertada de forma integral. Nessas circunstâncias, ele tinha uma incrível capacidade de ultrapassagem. Mas mesmo assim era interessante ter noção do que estava fazendo antes de pisar fundo uma vez que o esterçamento por torque ainda se fazia presente, mas em menor quantidade.

Entretanto, os relatos de uma retomada ou ultrapassagem com o Saab 9-3 Viggen são sempre os mesmos: o chute do turbo na terceira marcha a 100 km/h era uma das experiências de condução mais satisfatórias que se poderia ter.

A coisa já era legal abaixo de 4.000 rpm. Mas passando disso com o pé no fundo, a pressão insana do turbo te empurrava contra os assentos ​​e emitia sons de ar pressurizado enquanto o ponteiro do conta-giros subia em uma razão proporcional à sua incapacidade de se mover e colocar a próxima marcha.

Ajustes para se adequar ao final do jogo

Falando em transmissão, a coisa também não era exatamente legal nesse aspecto: uma embreagem dura e alta fazia par com uma caixa de velocidades vaga e destoante com o furor do Saab 9-3 Viggen . Como contraponto, os freios eram elogiados por todos que dirigiam o Saab. A visibilidade traseira e o acesso ao banco de trás também eram fruto de críticas, mas não era isso que iria desabonar o cupê sueco.

Até porque, a partir do ano 2000, o Saab 9-3 Viggen foi estendido para as carrocerias de cinco portas e conversível. Como auxílio na guerra contra o esterçamento por torque, o modelo 2001 ganhou sistema de controle de tração (TCS) como equipamento de série. Até este ano algumas cores apresentavam acabamentos interiores em fibra de carbono, o que viria a ser abandonado a partir dali.

Entretanto, as inovações e peculiaridades da Saab já não chamavam a atenção de um público cada vez menos interessado em caros puros de mecânica e mais focados em celulares e afins. Até o final da Saab como conhecíamos em 2008, novas tentativas de sair do lugar comum seriam tentadas pela marca de Trollhattan – mas nada do naipe do Viggen belo e incontrolável.

Fabricados exclusivamente na planta da Valem na Finlândia, 4.600 Saab 9-3 Viggen deixaram a linha de produção até junho de 2002, dos quais 500 com direção do lado direito para o mercado britânico. Dos 4.100 restantes, pouco menos de 3.000 foram destinados à América do Norte. Quer um Viggen mais raro do que já era? Em 1999, dos 426 Viggen que foram para os EUA e Canadá, apenas 2 eram prata, 2 em amarelo e 2 pretos.

O Saab 9-3 Viggen poderia ter seus defeitos. Mas para o entusiasta que procurava o unicórnio definitivo, este carro era um sonho assustador. Esquisito e peculiar de todas as ótimas maneiras que um Saab deveria ser marcou por ser mais do que um mero tesouro raro: ele também demandava unhas para quem queria conduzi-lo.

(*) É engenheiro mecânico formado pelo Cefet-MG

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