De São Paulo
O que Cesare Maldini, seu filho Paolo Maldini e seu neto Christian teriam a ver com um pacato sedã médio nos baixos hemisférios? Simples: tudo é uma questão de linhagem. Entretanto, se a família Maldini se consagrou por seus defensores eficazes no futebol, o Chevrolet Cruze 2017 usa de sua linhagem de sedãs para atacar. Nomeadamente, Honda Civic e Toyota Corolla, verdadeiros imperadores do topo de vendas dos sedãs médios no Brasil há uma década. Teria o sedã de concepção globalizada pontaria suficiente para, com a bola nos pés, fazer esse gol necessário para a montadora do bow tie? É o que veremos.
Como aquele jogador chinfrim que passa uma temporada fora do Brasil e volta inteiramente renovado, o Cruze mantém apenas o nome de seu antecessor. Baseado na plataforma corporativa D2XX da GM, sobre a qual se constroem também o Opel Astra e o Chevrolet Volt, o Cruze merece ser explorado cuidadosamente por fora e por dentro. Começando pelo exterior, o face feeling imposto pela Chevrolet e consoante com produtos da gama norte-americana como Impala e Camaro caiu bem no Cruze. As lâmpadas de uso diurno de LED, aliadas à grade no estilo dual port, colocam o sedã em consoante com os modelos maiores da marca norte-americana como Malibu e Impala, além de se assemelhar ao próprio Camaro na atual geração. Esta tendência de desenho já havia sido verificada também no Cobalt e na S10, sem, entretanto causar confusão entre os distintos modelos. O uso de linhas horizontais – destacando spoiler no para-choque e faróis auxiliares – e traços fortes na porção frontal do veículo causa um efeito de maior largura visual frete ao que realmente se confere.
No restante da carroceria, as linhas angulosas permanecem e se completam de forma harmoniosa, embora inúmeros fossem os comentários a respeito da semelhança com o Civic de nona geração quando se analisa o Cruze por certos ângulos. A Chevrolet, durante o evento de lançamento, tentou mostrar o veículo como um cupê de quatro portas, na linhagem criada pela Mercedes Benz CLS, VW Passat CC e outros. Bom, não é para tanto: a despeito da transição suave entre o teto e o volume traseiro, não deixamos de ter um bom e velho sedã. No geral, as linhas chamam a atenção sem serem magnéticas, tornando o carro elegante e equilibrado. Nesse aspecto, gol da Alemanha. Ou melhor: do time de desenho da GM. No primeiro ano, a paleta de cores se resumira a seis opções de tonalidades, todas prezando pela austeridade do novo Chevrolet.
É hora de entrar no Cruze 2017. Tomaremos como base a versão LTZ Top, que será a topo de linha. Ao contrario do mercado norte-americano, onde a versão mais luxuosa passou a se chamar Premier, a nomenclatura do modelo permanece na nova geração. O painel, bicolor e com costuras francesas combinando tonalidades claras e cinzentas (escuro na versão LT), imediatamente salta aos olhos pela beleza do conjunto. Entretanto, primeiro pênalti contra a Chevrolet: o plástico utilizado em grande parte do revestimento das portas é de baixa qualidade, duro e áspero. Lembra de certa forma o plástico encontrado no Ford Focus de segunda geração, referência negativa nesse aspecto.
Os bancos, de ajustes elétricos na frente e revestidos em couro, oferecem apoio adequado e possuem densidade correta para longas jornadas sem cansar o corpo. Com entre eixos de 2.700mm e aliado ao reestudo da ergonomia interna, o Cruze oferece bom espaço aos ocupantes do banco traseiro, embora a largura possa ser algo crítico ao se viajar com três adultos. Nos bancos da frente, a ergonomia é adequada e confortável. Em termos gerais, o novo Cruze ficou 62 mm mais comprido, nove mm mais alto e seu entre eixos é 15 mm maior que o antecessor. Estando ao volante, de boa pega e também revestida em pele animal, o bom número de comandos no mesmo contrasta com o material escolhido para os botões: um emborrachado que passa uma impressão de fragilidade com o passar do tempo. Em termos simplórios, algo próximo das teclas de alguns celulares da Nokia do começo dos anos 2000. Bola fora, portanto. No painel de instrumentos, uma tela colorida de 4,3 polegadas e multifuncional ajuda no controle das diversas funções do automóvel, comandadas pelos botões acima citados. Seu manuseio é fácil e intuitivo, mas contrasta com os grafismos pobres e o parco trabalho de relojoaria nos mostradores frente a seus concorrentes.
[photomosaic]
Ainda na porção dianteira, os air-bags frontais somam-se aos laterais e aos de cortina. No campo da segurança, o rol de equipamentos é imenso: controle de tração e estabilidade em todas as versões, bem como detector de pontos cegos, monitoramento da pressão dos pneus e distância relativa ao veículo da frente, com intervenção automática de frenagem em caso de risco de colisão. Alerta de mudança inadvertida também é uma novidade, utilizando de sensores de presença laterais que, em conjunto com os sistemas dianteiro e traseiro, também operam o sistema de estacionamento autônomo, habilitado para a entrada em vagas paralelas ou perpendiculares, cabendo ao motorista operar apenas a mudança de posição da transmissão e os pedais. Sensor crespular para acendimento automático dos faróis, além de chave presencial com possibilidade de partida remota do propulsor, luzes de LED para uso diário e faróis altos adaptativos à presença de veículos em direção contrária fecham o pacote tecnológico da versão mais cara.
Soma-se ao aparato de proteção o Isofix para cadeirinhas de crianças no banco de trás, além de cintos de segurança e apoios de cabeça para todos os passageiros fecham o pacote de seguridade. Complementar a tudo isso, o sistema de concierge OnStar, cuja receptividade do público tem sido favorável segundo a fabricante. Além da indicação de serviços e locais, o OnStar permite monitorar a atividade do valet em um restaurante com seu automóvel, bem como uma eventual remoção do mesmo e rastreamento em caso de roubo. No primeiro ano o serviço é grátis: resta saber o custo de manutenção praticado pela GM nos anos seguintes. E como com segurança não se brinca, mais um gol para a montadora norte-americana.
Vamos analisar as entranhas do jogador. Ou melhor, sua mecânica. Iniciando pela grande estrela do certame, o inédito motor Ecotec Turbo de 4 cilindros e 1,4 litro (1399cm³, 74mm x 81.3mm de diâmetro/curso) faz bonito. Com 150cv @ 5600rpm quando abastecido com gasolina (153cv @ 5200rpm com etanol) de potência e torque de 24,0mkgf @ 2100rpm (24,5mkgf @ 2000rpm), não se verifica uma “patada” com um súbito empurrão a partir da operação plena do turbocompressor, este com carcaça de inox no compressor para maior durabilidade, operando a 0,96bar constantes com picos de 1,2bar e fornecido pela Honeywell. Ao contrário, a sensação é de linearidade por toda a faixa de operação do motor, mas com muita força desde as baixas rotações: 90% do torque está disponível desde as 1500 até as 5000rpm, trazendo agilidade para o veículo. Pisou fundo no acelerador, a velocidade sobe sem sobressaltos, mas de forma decidida.
O câmbio ainda é o GF6, automático de seis velocidades, remanescente da geração anterior, mas em sua terceira geração. Uma bomba hidráulica mais eficaz foi adotada, e a calibração do câmbio é das mais felizes, conversando bem com o motor e operando de forma suave e esperta. Mas ainda não tem a acuidade de uma transmissão automatizada de dupla embreagem, por exemplo. As mudanças manuais são operadas em canal seletor lateral, abortando o abominável comando por botões na manopla do modelo norte-americano. Entretanto, faltam paddle-shifts para as trocas comandadas pelo condutor: cartão vermelho para o responsável por isso. Ainda mais se ele for o mesmo que decidiu enterrar a opção de câmbio manual. Todos os modelos terão câmbio automático, sem exceções.
Analisando os chassis, temos outra perda importante: a suspensão Multilink disponível no exterior deu lugar para um eixo de torção, mais simples e robusta, mas menos refinada dinamicamente, com sistema McPherson na dianteira. Com o uso de aços especiais, o modelo emagreceu aproximadamente 21%, reduzindo em 100kg seu peso na balança, chegando a saudável 1.321 kg nas versões básicas. A busca por uma melhor distribuição de peso, favorável ao desempenho do chassi, levou à remoção da bateria para o porta-malas ao invés de permanecer no cofre do motor. Ao mesmo tempo, o uso de materiais mais nobres aumentou em 25% a rigidez torcional do monobloco, trazendo maior refino dinâmico ao veículo que permanece mais incólume às variações de esforços transmitidos pela suspensão. De calibração macia – mas sem deixar de ser ágil – e auxiliada pelos controles eletrônicos, o Cruze contorna as curvas com muita competência, embora não chegue a empolgar. Com freio a disco nas quatro rodas, o Cruze freia bem, combinando com o pujante propulsor. A direção, com assistência elétrica, tem bom peso e casa bem com o conjunto: não é afiadíssima, mas não é demasiadamente pasteurizada.
Com vasto pacote de equipamentos e preços partindo de R$ 89.900,00 na versão LT até R$ 107.450,00 na LTZ Top, o Cruze busca o título em sua categoria. O Toyota Corolla, líder absoluto, nada de braçadas e ainda passará por reestilização. O Honda Civic, presente na segunda colocação, virá em nova geração até o final do ano. Sim, o Cruze pode surpreender como o Leicester na feroz Premiere League inglesa nessa temporada. Mas, para isso, é necessário equalizar os erros do time com o valor do jogador. Mas, definitivamente, temos um novo concorrente forte no páreo. Os japoneses que se cuidem, ainda mais com a chegada do Cruze Hatch em outubro de 2016. Aí sim veremos quem é quem nesse jogo aguerrido.
Gol do Cruze. Mas o jogo não está ganho.
(*) Viajou à convite da Chevrolet do Brasil
Fotos | Chevrolet/Divulgação