Particularmente (lembrando que este texto é opinativo), penso que é injusto generalizar as afirmações. Como jornalista automotivo, considero pertinente avaliar se o câmbio X, que equipa certo veículo, é melhor que o Y, montado em determinado concorrente. Contudo, acho impossível dizer que todas as transmissões do tipo X são superiores às do tipo Y. Seria tão incoerente como afirmar que as mulheres loiras são sempre mais bonitas que as morenas ou que a culinária francesa é incondicionalmente superior à italiana. Nunca haverá consenso, pois não existe fórmula que traga apenas vantagens. Há espaço para todos e as diferenças são bem-vindas: felizmente, há belas mulheres com diversas características físicas e deliciosos pratos preparados em vários países do mundo. Não se trata, portanto, de escolher uma espécie de vencedor, e sim saber que há opções diferentes, porém boas, para se experimentar.
Não é difícil perceber que o consumidor brasileiro aderiu aos automatizados e automáticos: as versões mais caras de muitos automóveis já dispensaram o terceiro pedal há tempos, enquanto a maioria dos modelos da base do mercado já começam a fazer o mesmo, algo impensável há cerca de 10 anos. Porém, aqui novamente entramos na questão das preferências: cada mercado do mundo tem suas particularidades. Nos Estados Unidos, desde a década de 1980 os automóveis manuais constituem minoria quase insignificante. Porém, na Europa, eles seguem bastante vivos: muita gente não sabe, mas veículos que por aqui só são oferecidos com caixas dotadas de conversor de torque ou sistemas de acionamento eletrônico da embreagem, por lá ainda têm versões que colocam pernas e braços do motorista para trabalhar mais, como Mercedes-Benz Classe Classe C, BMW Série 5 e Volvo S60.
A introdução de novas tecnologias aprimorou consideravelmente o funcionamento dos câmbios, tornando mais prazerosa a condução sem o manuseio da alavanca de marchas. Se até pouco tempo um carro de alto desempenho tinha que oferecer transmissão manual, agora são comuns os veículos dotados de modernos sistemas de trocas ao toque de um botão e vários programas de gerenciamento, que “entendem” a vontade do condutor. Além da melhor interação com a máquina, as novas tecnologias também trouxeram ganhos à performance: atualmente, sistemas automatizados de dupla embreagem proporcionam trocas de marchas mais rápidas que os manuais. Não por acaso, esse tipo de transmissão se tornou padrão em alguns superesportivos, como os das marcas Ferrari e Audi. Por outro lado, sedãs de altíssimo luxo adotam caixas automáticas: o novo Mercedes-Benz Classe S, recém-apresentado, tem uma de nove velocidades, que otimiza o fôlego dos propulsores. Os híbridos, por sua vez, também costumam adotar caixas automáticas, porém do tipo CVT, sem relações definidas, o que contribui para a economia de combustível e a suavidade de condução.
APLICAÇÕES O que provavelmente ocorrerá é uma maior segmentação de cada tipo de câmbio, de acordo com as preferências e necessidades de cada consumidor. A mesma Porsche que desenvolveu um novo câmbio manual de sete marchas já anunciou que o 911 Turbo, modelo mais caro da linha, terá unicamente um sistema automatizado de dupla embreagem. Ocorre que estamos tratando de um esportivo feito para as pistas, que além de alto desempenho, oferece também muita sofisticação e luxo, concorrendo em uma categoria cujos rivais têm características semelhantes. Por outro lado, pequenos cupês e conversíveis, com proposta de direção mais visceral, têm obtido com a transmissão manual uma fórmula divertida e atraente. O Toyota Ft-86 é o maior exemplo: ao proporcionar uma tocada clássica, com direito ainda à tração traseira, foi sucesso de crítica, abocanhando inclusive o prêmio Top Gear
de carro do ano. A Chevrolet já revelou que pensa em fazer um concorrente, nos mesmíssimos moldes. Os chamados hot hatches, que fazem sucesso na Europa, como Focus ST, Golf GTI e Megáne RS, também nunca abandonaram o pedal e a alavanca…Há ainda a questão do aperfeiçoamento. É fácil perceber que os sistemas evoluíram, ganhando avanços ao longo do tempo. Um dos indícios mais perceptíveis do avanço é a maior quantidade de marchas, que proporciona menor queda de rotações nas mudanças, além de sistemas gerenciamento eletrônico cada vez mais complexos, que otimizam o funcionamento. No decorrer da história, algumas soluções foram abandonadas, mas as ideias básicas quase sempre persistiram. Por exemplo: até os anos de 1970, eram comuns as caixas manuais com alavanca posicionada na coluna de direção, que foram caindo em desuso até serem abandonadas, devido à pior ergonomia em relação aos mecanismos localizados entre os bancos dianteiros. Do mesmo modo, agora os automatizados de uma embreagem parecem estar dando lugar aos sistemas de embreagem dupla, que proporcionam mais conforto sem abrir mão de vantagem alguma. Nos dois casos, porém, os sucessores mantiveram as premissas básicas dos antecessores: no primeiro, a interface mudou, mas o mecanismo permaneceu o mesmo, enquanto no segundo, há algumas diferenças técnicas, mas o conceito de embreagem acionada autonomamente se mantém.
Feitas todas as considerações, torna-se mais simples responder à pergunta do primeiro parágrafo: O melhor sistema de câmbio é aquele que, simultaneamente, atende à proposta do veículo e às expectativas de seu público. Desde que desenvolvidos corretamente e aplicados aos fins apropriados, tanto os automáticos/automatizados quanto os manuais são capazes de proporcionar prazer ao dirigir. Até o início da década de 1990, era possível comprar quase que exclusivamente carros manuais Brasil. Um hipotético cenário oposto, com oferta apenas de veículos automáticos ou automatizados, parece igualmente desfavorável. Que a soberania fique sempre com a diversidade de produtos e a liberdade de escolha do consumidor.
Fotos | Alexandre Soares e Marlos Ney Vidal/Autos Segredos. arquivo/Autos Segredos