Preço competitivo e espaço interno são as maiores qualidades do Renault Captur Intense; porém, câmbio de quatro marchas, que prejudica desempenho e consumo, pesa contra

Por Alexandre Soares

“Que carro bonito! Qual é?”, perguntou um transeunte ao ver o Captur estacionado em um shopping, enquanto eu esperava minha namorada sair da academia. “É o Captur, lançamento da Renault”, respondi. “Olha, Renault…”, disse o homem com cara de surpresa, enquanto dava uma volta em torno do veículo. Ele não foi o único que se sentiu atraído pelo design do Renault Captur: durante o teste, não faltaram curiosos olhando para ele, muitos a bordo de outros crossovers (ou SUVs compactos, como o mercado convencionou chamá-los). Apesar de estética ser um item subjetivo, a novidade da marca francesa parece agradar de maneira unânime. Por certo, suas linhas são bem mais atuais que o de todos os outros automóveis que o fabricante comercializa no Brasil. O Duster, então parece ter envelhecido uns 10 anos após a chegada do irmão.  É pena, porém, que a diferença de idade entre os dois esteja restrita à carroceria: a plataforma de ambos é a mesma, assim como a mecânica. E é justamente nesse último item que residem os maiores problemas do utilitário.

A versão top de linha do Renault Captur Intense vem equipada com o conhecido motor 2.0 16V de origem Renault, designado pela sigla F4R (o mesmo que equipa Duster e Duster Oroch, além do Sandero RS), que já está há cerca de uma década e meia no Brasil. Apesar da idade um tanto avançada, ele desenvolve bons números de potência e, principalmente, de torque: são 143 cv a 5.750 e 20,2 kgfm a 4.000 rpm, com gasolina, além de 148 cv e 20,9 kgfm com etanol, nas mesmas faixas de rotação. Segundo o fabricante, a 2.250 rpm, o propulsor já entrega 17,9 kgfm com o combustível mineral e 18,8 kgfm com o vegetal. O projeto traz bloco de ferro fundido, cabeçote em alumínio e correia dentada convencional; há variador no tempo de abertura das válvulas de admissão, mas o sistema de partida a frio ainda utiliza o arcaico subtanque auxiliar.

Câmbio prejudica comportamento

Apesar da idade do projeto, o motor não compromete o comportamento do Renault Captur. Na verdade, com exceção de algumas vibrações em alta rotação, ele ainda se mostra razoavelmente eficiente, e agrada principalmente pela elasticidade. O problema é que, acoplado a ele, há um câmbio automático de quatro marchas, que o acompanha durante toda sua trajetória no Brasil. E essa parceria já passou da hora de ser desfeita: com apenas quatro velocidades, tal transmissão, que na década passada mostrava-se nivelada à concorrência, já não consegue mais disfarçar suas limitações.

Como há poucas relações, elas são longas, fazendo os giros do propulsor caírem demais durante as trocas. Além disso, a central eletrônica não é das mais “espertas”, e segura demais as marchas antes de cambiá-las. Nesses momentos, o melhor é fazer as trocas sequencialmente, dando toques na alavanca, já que não há paddle-shifts. Durante o período de avaliação, foi recorrente o modelo apresentar letargia nas incontáveis ladeiras de Belo Horizonte, demorando a responder ao aumento da pressão no acelerador. Não chega a ser exatamente lerdo, mas está aquém do que se espera de um SUV compacto (ops, crossover) com motor 2.0. Isso ocorre justamente devido aos grandes “degraus” entre as quatro velocidades do câmbio, que fazem o motor demorar a ganhar rotações. Resta ao motorista aguardar o propulsor “encher” ou então fazer um kick-down e se preparar para a explosão de giros após a redução de marcha.

Na estrada

Ao menos, na estrada, em locais planos, as relações longas da transmissão permitem manter 120 km/h com o propulsor girando a cerca de 3.000 rpm, em quarta, valor baixo para um carro com câmbio de poucas marchas. Porém, basta surgir uma subida para que surjam  incômodos, principalmente se ela for mais acentuada, como aquelas presentes em trechos serranos:  a quarta mostra-se insuficiente para vencer o aclive, ao passo que a terceira revela-se curta demais. O resultado é uma variação constante entre uma e outra, prejudicando o conforto acústico e, principalmente, o consumo.

Consumo também é sacrificado

O Renault Captur passou longe de ser econômico durante a avaliação. Nossas aferições registraram médias de 7,6 km/l na cidade e de 10,6 km/l na estrada, com gasolina. Além da questão financeira, esses números revelam outro inconveniente: a autonomia limitada. Como o tanque de combustível tem 50 litros de capacidade, o raio de ação do veículo não passa de 535 km.

Suspensão bem-acertada

Já a suspensão do Renault Captur, também herdada do Duster, se mostra muito bem-acertada. Apesar de simples, com arquitetura independente do tipo McPherson na dianteira e semi-independente por eixo de torção na traseira, o sistema entrega ótimo compromisso entre conforto e estabilidade. O modelo transpõe pisos irregulares com suavidade, sem expor os ocupantes a solavancos, mesmo calçado com rodas de 17 polegadas e pneus de perfil baixo para um utilitário, na medida 215/60. Nas curvas, por outro lado, os largos pneumáticos ajudam a manter a aderência. A carroceria não inclina em demasia, de modo que, para um veículo de altura elevada, há bastante equilíbrio.

Apesar de o Captur não ser um veículo off-road, é de se esperar que um utilitário mostre mais desenvoltura que os automóveis mais baixos em vias sem pavimentação. Por isso, submetemos o modelo a um percurso composto por estradas de terra: nenhuma delas era impossível para automóveis com tração 4×2, mas quase todas estavam castigadas pelas chuvas de verão. Nesses locais, o Renault Captur se saiu são tão bem como o Duster. A altura do solo, que chega ser maior que a do irmão mais velho, com 212 mm de vão livre, se mostrou mais que suficiente para evitar choques contra o piso, e a suspensão não apresentou ruídos.

Bom para transpor obstáculos urbanos e rurais

Além disso, os ângulos de ataque e de saída, de 23° e 31°, respectivamente, ajudam também nas cidades. O Renault Captur se mantém quase imune a quebra-molas e entradas de garagem, por exemplo. A verdade é que, em centros urbanos, nenhum motorista deveria se preocupar com esbarrões contra o solo, mas, no Brasil, sempre há obstáculos que exigem paciência e atenção, o que ajuda a entender a aceitação dos utilitários junto ao consumidor.  Eles estão presentes até em shoppings: após buscar minha namorada na academia, me deparei, na saída do estacionamento, com uma valeta profunda, que exibia várias marcas de impactos.  No intuito de fazer um tira-teima, passei por ela sem cuidado algum, e… Ufa, nada aconteceu.

Direção e freios

A direção, com assistência eletro-hidráulica, também agrada. Muito progressiva e até direta para um automóvel sem pretensões esportivas, ela tem peso correto tanto em manobras quanto em alta velocidade. Em relação ao sistema totalmente elétrico, o modelo adotado pela Renault tem a desvantagem de exigir manutenção periódica para troca de fluido, como em um mecanismo hidráulico, mas, assim como o primeiro e ao contrário do segundo, ele não traz impacto sensível no consumo de combustível e no desempenho. Já os freios, com discos ventilados na dianteira e tambores na traseira, estão aquém do esperado para um SUV compacto. Esse tipo de arquitetura até funciona bem em veículos de baixo peso, como hatches compactos, mas é imprópria para o Captur, que tem nada menos que 1.352 kg. As frenagens não chegam a ser inseguras, mas poderiam ocorrer em espaços menores.

Detalhes interiores

Se por fora o Captur impressiona bastante, por dentro ele não causa o mesmo impacto. Os materiais de revestimento não têm sofisticação: o que se vê são plásticos, com algumas superfícies em preto brilhante e apliques cromados. O painel, apesar de rígido, exibe material de qualidade, com bom toque, sem a aspereza encontrada nos veículos mais simples da Renault (inclusive no Duster). Já os painéis das portas apresentam plástico de nível inferior, também duro. Os dianteiros trazem uma grande porção de estofamento, que melhora a aparência e o tato, o que não ocorre nos traseiros, que têm apenas o apoio de braço acolchoado.

O padrão de montagem é bom, e há alguns toques de refinamento, como os bancos encorpados e com uma padronagem vistosa de couro e o forro de teto felpudo. O isolamento acústico também é eficiente, o que indica cuidado do fabricante. No conjunto, o acabamento do SUV da Renault está nivelado com concorrentes como Nissan Kicks e Chevrolet Tracker. O Honda HR-V está em um patamar acima, enquanto o Jeep Renegade ainda é referência nesse assunto.

O problema do Captur não está exatamente  no padrão de construção, e sim na falta de cuidado com algumas minúcias. A coluna de direção, além de não ter ajuste telescópico, apenas o de altura, despenca quando o motorista libera a trava, enquanto a abertura da portinhola do tanque de combustível se dá por meio de uma alavanquinha de aspecto simplório, similar à de Duster, Sandero e Logan. Nos quebra-sóis, há espelhos de cortesia, mas não iluminação…  Detalhes fazem a diferença, especialmente em um automóvel com preço na casa dos R$ 90 mil.

Posto de comando

Ergonomicamente, as coisas também não são perfeitas a bordo do modelo. Apesar de dispor de um excelente volante, com revestimento em couro, diâmetro de medida perfeita e empunhadura muito agradável, alguns botões do controlador de velocidade, além da tecla Eco (que muda a programação de motor e câmbio para reduzir o gasto de combustível), ficam parcialmente obstruídas pelo freio de mão no console central. Por outro lado, os comandos do sistema de áudio do tipo satélite, fixados na coluna de direção e adotados quase que exclusivamente pelos automóveis das marcas francesas, são corretos.

O painel traz velocímetro digital e conta-giros e marcador de combustível analógicos: a leitura é muito boa, mas falta termômetro do fluido de arrefecimento do motor (pouco a pouco, a supressão desse item vai chegando aos carros de categorias superiores). Já os bancos dianteiros, apesar de vistosos, poderiam ter assento mais longo, para permitir melhor anatomia às coxas. O do motorista tem um apoio para o braço direito e regulagem manual de altura.

Visibilidade e iluminação agradam

Graças à linha de cintura não tão alta como a de outros utilitários e ao para-brisa grande, a visibilidade do Captur é muito boa. Só para trás é que as colunas largas e vidro pequeno, características presentes em praticamente todos os automóveis da atualidade, reduzem o campo visual. Felizmente, o modelo vem com câmera de ré, e, além disso, os retrovisores são bem-dimensionados. Os faróis, com bloco elíptico para o facho baixo e parabólico para o alto, com lâmpadas halógenas em ambos, também agradam bastante, proporcionando ótima iluminação. Além do mais, eles trazem regulagem elétrica de altura por meio de um interruptor à esquerda do painel, recurso de extrema utilidade quando o veículo está carregado.

O conjunto óptico é complementado por luzes diurnas de LEDs, repetidores de seta nos retrovisores, faróis de neblina com função cornering e lanterna de neblina, essa última posicionada no para-choque, assim como a luz de ré. Tecnicamente, não há problema nessa solução, mas ela é incoerente no Captur, que tem lanternas grandes, porém funcionais somente nas porções fixada nos paralamas. As extensões desses componentes, posicionadas na tampa traseira, são meramente ornamentais, e poderiam ser utilizadas para abrigar mais luzes de sinalização. Vai entender a Renault…

Espaçoso para passageiros e bagagem

A maior qualidade do Captur em termos de habitabilidade é o interior amplo, como no Duster. O SUV da Renault é dos mais espaçosos do segmento, graças à carroceria de grandes dimensões externas (o comprimento de 4,33 m e o entre-eixos de 2,67 m são maiores que o de todos os concorrentes diretos e se aproximam dos SUVs médios). Quatro adultos corpulentos conseguem se acomodar com bastante folga para as pernas e a cabeça, e mesmo com cinco a bordo ainda há relativo nível de conforto; nesse caso, a largura do banco traseiro limita a área para os ombros, mas o assoalho traseiro tem um ressalto central baixo, que não compromete o vão destinado aos pés do quinto ocupante. Outra vantagem é a existência de encostos de cabeça e cintos de segurança de três pontos para todos.

Segundo a Renault, o habitáculo traz 12 espaços para guardar pequenos objetos, mas, considerando a proposta familiar do Captur, esse número poderia ser maior. Além dos tradicionais nichos nas quatro portas, porta-copos no console central e de um porta-objetos à frente da alavanca de câmbio, há apenas um porta-trecos com tampa na parte superior do painel. Faltam, por exemplo, receptáculos para garrafas nas portas dianteiras e porta-óculos no teto. O porta-malas, de 437 litros, também está entre os maiores da classe. O vão de entrada é amplo, mas a posição do estepe, embaixo do assoalho do compartimento, com acesso pelo exterior do veículo, dificulta as trocas e aumenta a vulnerabilidade a furtos.

Pacote generoso de equipamentos de série

A versão Intense tem preço sugerido de R$ 88.490. Quando o assunto é conteúdo, ela faz jus à posição de top de linha: há bom pacote de itens de série, entre os quais chave presencial com botão de partida, faróis e limpadores de para-brisa com acionamento automático, vidros elétricos com sistema one-touch nas quatro portas, retrovisores com ajuste e rebatimento elétrico, ar-condicionado automático, sensores de estacionamento traseiros, alarme e travas elétricas com acionamento automático a 6 km/h. A conectividade fica a cargo do sistema multimídia com tela touch de 7 polegadas, com Bluetooth, entrada USB e navegador GPS: ela é muito fácil de usar e ainda traz o eco-scoring e o eco-coaching, que ajudam a dirigir de modo econômico.

O veículo também é correto na lista de equipamentos de segurança. O Captur Intense vem com airbags frontais e laterais (são quatro bolsas no total), controles eletrônicos de estabilidade e tração, assistente de partida em rampas e ganchos padrão Isofix para duas cadeirinhas infantis, além de ABS com auxílio de frenagem de emergência (AFU) e distribuição eletrônica de frenagem (EBD). O revestimento em couro dos bancos e a pintura da carroceria em dois tons são os únicos opcionais, pelos quais a Renault cobra adicionalmente R$ 1.500 e R$ 1.400, respectivamente. A garantia para o modelo é de 3 anos ou 100 mil quilômetros, o que ocorrer primeiro.

Apesar de novo, Captur já precisa evoluir

Seria injusto não reconhecer as qualidades do Captur, entre as quais o amplo espaço interno e o pacote de equipamentos generoso. O preço também é mais baixo que o de alguns concorrentes, que nas versões mais completas, com conteúdo semelhante ao do Intense, esbarram na casa dos R$ 100 mil. O problema é o que conjunto mecânico ultrapassado, em especial a caixa automática de quatro marchas, desestimula a compra. Essa transmissão, além de tirar parte do prazer ao dirigir, ainda prejudica o desempenho e, principalmente, o consumo, que, vale lembrar, se mostrou elevado.

É no mínimo curioso que a versão de entrada Zen, que chegará ao mercado nos próximos meses, irá oferecer uma mecânica bem mais atual, composta pelo propulsor 1.6 16V SCe e pela transmissão automática do tipo CVT, ambos de origem Nissan. Ao optar por ela, o consumidor levará um veículo mais lento, porém, em tese, melhor de dirigir, graças ao casamento mais acertado entre motor e câmbio. Resta saber se tal configuração irá atender às nossas expectativas quando for avaliada, pois a top de linha mostrou que, apesar de ser recém-lançada e ter bom potencial, já precisa evoluir.

AVALIAÇÃO Alexandre Marlos
Desempenho (acelerações e retomadas) 7 8
Consumo (cidade e estrada) 7 6
Estabilidade 8 8
Freios 6 7
Posição de dirigir/ergonomia 8 9
Espaço interno 10 10
Porta-malas (espaço, acessibilidade e versatilidade) 9 10
Acabamento 7 8
Itens de segurança (de série e opcionais) 8 9
Itens de conveniência (de série e opcionais) 8 9
Conjunto mecânico (acerto de motor, câmbio, suspensão e direção) 7 7
Relação custo/benefício 7 8


FICHA TÉCNICA

»MOTOR
Dianteiro, transversal, quatro cilindros em linha, com diâmetro de 82,7 mm e curso de 93 mm, 1.998 cm³ de cilindrada, 16 válvulas, a gasolina/etanol, 143 cv (g)/148 cv (e) de potência máxima a 5.750, 20,2 kgfm (g)/20,9 kgfm de torque máximo a 4.000 rpm

»TRANSMISSÃO
Câmbio automático de quatro marchas, tração dianteira

»ACELERAÇÃO ATÉ 100 km/h (dado de fábrica)
12 segundos com gasolina e 11,1 segundos com etanol

»VELOCIDADE MÁXIMA (dado de fábrica)
174 km/h com gasolina e 179 km/h com etanol

»DIREÇÃO
Pinhão e cremalheira, com assistência eletro-hidráulica variável

»FREIOS
Discos ventilados na dianteira e tambores na traseira, com ABS, EBD e AFU

»SUSPENSÃO
Dianteira: independente do tipo McPherson; traseira: semi-independente por eixo de torção

»RODAS E PNEUS
Rodas em liga de alumínio aro 17, pneus 215/60 R17

»DIMENSÕES 
Comprimento: 4,33 m; largura: 1,81 m; altura: 1,62 m; distância entre-eixos: 2,67 m; altura em relação ao solo: 212 mm; peso: 1.352 quilos

»CAPACIDADES
Tanque de combustível: 50 litros; porta-malas: 437 litros; carga útil (passageiros e bagagem): 449 quilos

Fotos | Marlos Ney Vidal/Autos Segredos

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