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Opinião do editor: A indústria fabrica o que o consumidor demanda; é por isso que as peruas estão quase extintas no Brasil

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Alexandre Soares
Especial para o Autos Segredos

Quando publicamos, com exclusividade e em primeira mão no mundo inteiro, o flagra da perua Fiat Tipo, muitos leitores criticaram a ausência dela no Brasil ou até duvidaram que ela realmente não virá. A maioria lamentou o avançado processo de extinção que as peruas estão sofrendo. Eu me sinto na mesma situação: cresci viajando no banco de trás de modelos como Caravan, Ipanema e Palio Weekend. Em meus 15 anos de habilitação, ainda não possuí uma perua, mas unicamente porque não preciso de veículos com espaço porta-malas; por isso, minha preferência é pelos hatches. Porém, dá uma certa tristeza em pensar que, se, um dia, eu quiser viajar com a família que talvez venha a constituir, terei que comprar um SUV, dinamicamente inferior, ou um sedã, que não tem a mesma praticidade, simplesmente porque é bem provável que, até lá, já não existam mais peruas à venda nas concessionárias do Brasil.

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01_Golf_Variant_ManualOcorre que eu, assim como a maioria de vocês, leitores, sou um aficionado por automóveis. Levo o comportamento dinâmico muito a sério na hora de comprar um carro, e não sou influenciado pelas “modas” que atingem o setor de tempos em temos, como os aventureiros, há alguns anos, e, agora, os SUVs. Mas a grande maioria dos compradores não é como nós. O desempenho comercial de modelos como o Jeep Renegade e Honda HR-V são exemplos de como as pessoas têm se interessado cada vez mais pelos SUVs, segmento que, aliás, cresceu consideravelmente em 2015, mesmo com a crise que atinge o setor. Por outro lado, desde os anos 90 não temos uma perua com vendas realmente arrebatadoras. E a participação têm sido menor ano após ano. Atualmente, a Volkswagen é a única que ainda investe nas stations. No ano passado, a marca lançou a Golf Variant e renovou a SpaceFox (com uma reestilização e um motor 1.6 16V). Ambas têm vendas discretíssimas e, em 2015, não figuraram sequer na lista dos 50 modelos mais vendidos do país. Nenhuma das duas é barata, mas não faltam modelos com preços elevados no ranking de vendas. Além delas, há apenas a Weekend (ex-Palio) como opção fora da categoria premium, cujas vendas, no ano passado, somaram menos da metade do valor alcançado há uma década. Ela há muito está ultrapassada, é verdade, mas isso não impede que seus irmãos Siena EL* e Strada, igualmente antigos, ainda vendam bem. Ao contrário deles, a perua deve morrer sem deixar uma sucessora direta. Até os SUVs compactos mais antigos EcoSport e Duster, que sofreram consideráveis quedas nas vendas devido à chegada dos novos concorrentes da Jeep e da Honda, superaram, cada um, a marca de 30 mil unidades vendidas, mais que o obtido por todas as peruas disponíveis no Brasil juntas.

Fiz um levantamento no site da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) e comprovei algo do qual já desconfiava: neste século, só as peruas compactas tiveram grande volume de emplacamentos no Brasil, e, mesmo assim, apenas na década passada. Quer exemplos? Vamos em ordem cronológica, então: em 2003, o Marea Weekend vendeu apenas 875 unidades, ante 2.137 do sedã. Ok, a linha Marea foi bastante malsucedida em termos comerciais; então, que tal o Corolla? A perua da linha, denominada Fielder, emplacou, em 2008 (seu melhor ano comercial) 8.878 unidades . É um número razoável para o contexto mercadológico da época, mas, ainda assim, muitíssimo inferior ao da versão sedã, que, no mesmo ano, emplacou 35.323 unidades. Por fim, citamos a Megáne Grand Tour, que conseguiu os melhores resultados comerciais no fim de carreira, quando foi reposicionada para baixo: apesar de ser média, tinha preço de compacta. Em 2012, seu último ano de fabricação, ela emplacou 9.812 unidades. Um bom resultado, sem dúvida. Porém, novamente inferior ao do sedã médio da marca, que, naquele ano, já era o Fluence (o Mégane sedã saiu de linha antes da perua): mesmo mais caro, no mesmo período, ele registrou 15.336 emplacamentos. Também procurei pela Peugeot 307 SW e pela Hyundai i30 CW, mas elas tiveram vendas tão discretas que nem figuram nos rankings da Fenabrave, que enumeram só os 50 primeiros. Ambas deixaram de ser importadas quando mudaram de geração. Essa situação é oposta à que eu vivi na infância e na adolescência, quando algumas peruas vendiam mais que suas variações sedã: isso ocorria, por exemplo, com a Belina em relação ao Del Rey e à Parati em relação ao Voyage. Até a já citada Palio Weekend, em seus primeiros anos, obtinha mais emplacamentos que o irmão Siena. Na época, não existiam aventureiros, nem SUVs de shopping, e as peruas reinavam absolutas como carros para transportar a família. Bons tempos, que ficaram para trás.

Corolla-Fielder-2008

As peruas não são as únicas prejudicadas pela mudança de gosto do consumidor. Um outro exemplo de extinção no Brasil é o de carros de duas portas. Nas décadas de 1970 e 1980, eles eram queridinhos do mercado, e vendiam mais, inclusive, que seus similares de quatro portas. Não é à toa que alguns modelos tiveram a carroceria de duas portas como única opção, como toda a linha Fiat 147, o Kadett e as duplas Corcel II/Belina e Gol/Parati de primeira geração. Atualmente, essa opção é rara até em carros de entrada: o up! duas portas era oferecido inicialmente nas versões Take e Move, mas depois, por falta de procura, foi mantida somente para a primeira. O desinteresse por esse tipo de carroceria é tanto que, ainda no caso do up!, ela sequer é disponibilizada com motor turbo. Os monovolumes também estão em extinção, e, atualmente, só a Chevrolet e a JAC apostam no segmento com preços mais acessíveis, com a Spin e a J6. Mas, há alguns anos, as opções eram múltiplas, com a presença de Scénic, Xsara Picasso e Livina. A própria Chevrolet dispunha de uma linha completa na categoria, com a Meriva e a Zafira. Há quem aposte que as próximas vítimas serão os hatches médios. Particularmente, acho que é cedo para prever o fim desse segmento. Afinal, os atuais Focus e Golf ainda têm uns bons anos de fabricação pela frente, e a nova geração do Cruze Hatch já está confirmada para o país. Porém, por outro lado, o risco de extinção não deve ser ignorado, uma vez que, mesmo com boas opções, alinhadas com os mercados desenvolvidos, os modelos da categoria estão amargando números de vendas menores, e a ascensão dos SUVs, sem dúvida, é um dos motivos para tal.

Há alguns meses, durante a apresentação de um carro à imprensa, conversei, de modo informal, com um analista de mercado do fabricante. Falei que faltam mais opções de peruas no mercado nacional e que o setor deveria investir nelas, até porque o grande compartilhamento de peças com hatches e sedãs (não só na mecânica, mas também na carroceria, que geralmente utiliza os mesmos paralamas frontais, capô, para-brisa e portas dianteiras), torna o desenvolvimento mais barato que o dos SUVs. Ele respondeu que, pessoalmente, também gosta muito de stations, mas que todas as pesquisas que eles haviam feito apontavam, com bastante clareza, que os consumidores desejam muito mais um SUV que uma perua. Assim, mesmo com projeto e fabricação mais caros, eles se tornam muito mais vantajosos comercialmente. Não satisfeito, ele disse que os números de vendas não só no Brasil, mas em países de outros continentes, colocam os SUVs em alta e as peruas em baixa, e que, assim, não haveria qualquer embasamento para destinar investimentos ao desenvolvimento de stations.

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Curioso notar que a rejeição às peruas, realmente, não ocorre só no Brasil. Na América do Norte e na Ásia, houve fenômeno semelhante. Nesses mercados, assim como no nosso, há cada vez menos stations, e cada vez mais SUVs. Só a Europa se mantém fiel ao segmento. Quando estive por lá, há alguns meses, atestei com meus próprios olhos o gosto do consumidor local por esses veículos: as ruas estão cheias delas, e isso, felizmente, parece que não vai mudar tão cedo. Assim, o velho continente vai se tornando uma espécie de refúgio para os modelos do segmento. É simples: se o público quer, a indústria faz. Com projetos sendo desenvolvidos por lá, há sempre a possibilidade de venda em outros mercados, mas, é claro, desde que exista interesse do consumidor. É exatamente por isso que a Fiat desenvolveu a perua Tipo pra lá, mas não pretende vendê-la por aqui. E é por isso, também, que as outras marcas seguem o mesmo caminho.

Por enquanto, as perspectivas para os amantes de peruas não são nem um pouco animadoras. A curto prazo, pelo menos, não há indicadores  de que elas voltem a ser sonhos de consumo dos brasileiros. E, sem a expectativa de obter vendas minimamente razoáveis, os fabricantes não se animam a lançar novos modelos. É verdade que o fato de existirem menos peruas no mercado faz pensar que, quem lançar uma, irá explorar um nicho. Sem dúvida, há um público fiel. Mas não se engane: as empresas do setor sabem das vantagens de explorar nichos, e esse público, apesar de fiel, é pequeno. Se a indústria não se interessa, é porque não há muitos sinais de que possa haver lucratividade.  É aquela velha história: sem demanda, nada se mantém. Hoje em dia, muita gente lamenta o fim dos cinemas de rua e o domínio das companhias aéreas low-cost. Mas, se, no passado, os consumidores não tivessem preferido ver filmes no shopping e em suas próprias casas ou optado por abrir mão de conforto para pagar por passagens mais baratas, a realidade hoje seria outra. Se houvesse muita gente querendo comprar peruas, elas estariam nos portfólios de várias marcas. O que se vê, porém, tanto nas linhas de montagem quanto nas ruas, são SUVs. Para o seu desgosto e para o meu também, leitor.

*Como a Fenabrave não distingue as vendas do Siena EL e do Grand Siena, o Autos Segredos consultou a Fiat, que respondeu que o modelo com carroceria antiga correspondeu a 30% do mix da linha. Assim, estima-se que o EL respondeu por cerca de 17.800 emplacamentos, de um total de 59.393. Durante o mesmo período, a Weekend contabilizou apenas 10.723 unidades comercializadas.

Fotos | Marlos Ney Vidal/Autos Segredos, Volkswagen/Divulgação, Toyota/Divulgação e Renault/Divulgação

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