Modelo atual mantém as virtudes da nova geração, lançada em 2018, e não deixa dúvidas: ainda tem o melhor conjunto entre as Harley-Davidson

Por Roberto Dutra

Eleger qual é “a melhor” das Harley-Davidson contemporâneas é uma tarefa praticamente impossível. Sempre haverá os defensores de cada “família” – da geração anterior das Sportster às extintas Dyna, passando pelas ainda vivas Softail às top de linha Touring. Há décadas a linha Harley-Davidson vinha funcionando assim, em escadinha: as Sportster como modelo de entrada, as Dyna logo acima, as Softail no degrau seguinte e as Touring lá no topo.

Mas desde 2018 as coisas mudaram. As Dyna e as Sportster antigas foram extintas, as Softail ganharam nova geração, as Touring também foram aprimoradas e surgiram novos modelos um tanto radicais – alguns até tiveram vida curta e já saíram de linha. Hoje a linha Harley-Davidson, no Brasil e em vários mercados do mundo, ficou mais enxuta em consequência de um novo modelo de negócios, que manteve apenas os modelos mais rentáveis e caros. Em todo esse contexto, a Softail Heritage Classic sobreviveu incólume.

Há vários motivos para isso. É um modelo de aspecto clássico, que representa bem a personalidade da marca. Além disso, sempre foi rentável. E, por fim, o motivo principal: sempre teve demanda por ser, provavelmente, o mais equilibrado modelo da marca. Para chegar a essa conclusão, é preciso abrir mão de paixões e ater-se às características da moto em comparação às outras.

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A Heritage Classic não é tão leve e ágil quanto as extintas Sporster, não é um “canhão” como as falecidas Dyna e não é tão confortável como as Touring? Ok. Mas é muito leve e ágil para suas dimensões e peso e tem desempenho coerente com sua proposta – ainda mais na nova geração. E, de quebra, anda oferece um elevado nível de conforto. Ou seja, talvez não leve nota 10 em nenhum quesito, mas tem médias bem altas em todos. O resultado disso é um custo-benefício sem igual nas fileiras da Harley-Davidson. Daí compreendemos sua sobrevivência.

Na geração atual, surgida em 2018 – e cuja versão 2021 aceleramos nesse test-ride que aqui publicamos -, suas virtudes foram potencializadas. Com chassi e motor novos, entre muitas outras mudanças, a comparação começa no peso: na última versão da geração anterior, com o chamado motor Twin Cam “103” (1.690cm³), a moto pesava 341kg em ordem de marcha. A atual, com o motor Milwaukee-Eight 114 (1.868cm³), pesa 330kg. Os 11kg a menos fazem um mundo de diferença, ainda mais somados a potência e torque maiores – números que veremos adiante, em nossa análise dinâmica.

Antes, vale dar uma espiada no visual da atual Heritage Classic. Pode ser um choque para quem se acostumou aos cromados que a moto sempre ostentou, mas a mudança lá em 2018 teve como objetivo dar um aspecto mais “jovem” à moto – e, assim, tentar ampliar e renovar seu leque de compradores. Saiu o aspecto retrô e entrou um jeito meio “malvadão”: peças antes cromadas como guidom, régua do tanque, garfos dianteiros, rodas e motor passaram a ser pintadas de preço e o suporte dos piscas traseiros (o popular “bigode) diminuiu de tamanho, assim como os próprios piscas.

Para completar, a metade inferior do para-brisa passou a vir com uma inexplicável película preta – que, até hoje, nas minhas pesquisas informais, teve 100% de reprovação. Isso continua igual até hoje, mas nossa Heritage 2021 já voltou um pouco no tempo: os escapes e algumas partes do motor estão cromados novamente, compondo um visual bonito e equilibrado. E o atual emblema no tanque, com pega retrô, é muitíssimo elegante!

E a moto mantém farol principal e auxiliares com LEDs, painel redesenhado com velocímetro analógico, números de visual clássico e um mostrador digital logo abaixo. Ali estão o indicador do tanque e as tradicionais funções de hodômetros total e parciais, autonomia e até consumo. As luzes-espia continuam do lado de fora e pouco visíveis sob luz forte.

E não há mais aquele botão de ignição ali embaixo: com a chave/alarme presencial no bolso, aperte o “start” no punho direito, ligue a moto e parta. Falando nisso, os punhos ficaram um pouco menores e dão acesso mais fácil aos botões de farol alto, piscas, corta-corrente e buzina – que, hallelujah!, deixou de ser “fon-fon” e virou “bi-bi”: isso pode parecer bobagem, mas no trânsito brasileiro os motoristas não reconhecem “fon-fon” como buzina de moto. Aí não ficam ligados e muito menos abrem passagem num corredor, por exemplo. Outro quitute: o acionamento dos faróis auxiliares deixou de ser feito naquele botão de abajur que ficava escondido atrás da capa dos garfos e passou para o punho esquerdo.

O banco mudou pouco, mas é nítido que tem menos espuma – embora continue anatômico. Apesar disso, a ergonomia continua sendo elogiável: posição bem sentada com as pernas levementes esticadas à frete, guidom meio “seca-sovaco” de fábrica em ótima altura e tudo à mão. Lá atrás, a Heritage Classic ostenta alforges mais moderninhos, com abertura mais prática e tranca por chave. Mas são menos charmosos.

Porém, incompreensível mesmo, foi a moto ter perdido o encosto de garupa, que não é mais item de série. Esteticamente parece que falta algo, e para o garupa falta mesmo. Algo tão lamentável quanto os pneus não virem mais com bandas brancas. Outros dois pontos que continuam críticos são os punhos com material ordinário (uma borracha que, não demora muito, vai se desintegrar) e as pedaleiras do garupa, ainda do tipo palito – essa moto, até pelo preço, deveria vir com plataformas.

Pau na máquina

Feitas as apresentações, é hora de acelerar. E que acelerações! Na chegada da nova geração, a moto tinha apenas o motor “107”, que já era um petardo diante do antigo “103”. Mas este “114” é ainda mais impressionante! Já nos primeiros quilômetros é possível ver como as acelerações são muitíssimo mais poderosas do que nas versões anteriores. O ME-114 tem força sobrando em quaisquer faixas de rotações.

No trânsito urbano, a equação peso x potência dá à Heritage Classic “114” o comportamento de uma moto menor: tem a leveza e a agilidade de uma Honda Shadow 600, por exemplo, mas sem aquele esterço esquisito de moto pescoçuda e de frente pesada. Aqui, é tocar no acelerador, rebolar o necessário e acompanhar as motos pequenas nos corredores e ruas.

Na estrada, mais assombro. Primeira, segunda, terceira, quarta, quinta, sexta e esqueça da vida. Lembro que na Heritage Classic com motor “96”, a sexta era mero overdrive. Na versão “103”, tinha alguma forcinha dependendo da rotação em que o motor estivesse. Na “107”, força bem mais evidente, que lhe permitia ganhar velocidade progressivamente. Aqui, na sexta, não é preciso pensar em reduzir para fazer uma ultrapassagem com extrema disposição e segurança. Enrole o cabo virtual (o acelerador é eletrônico) e deite o cabelo!

Nas curvas a Heritage Classic atual também faz as antigas parecerem carroças. Temos um ótimo equilíbrio proporcionado pela suspensão traseira, que de bichoque virou monochoque, pela aderência surpreendente fornecida pelos excelentes pneus Dunlop e pelas pedaleiras um pouco mais altas do que antes, que só vão raspar no chão se o piloto forçar a barra. As frenagens, por outro lado, são eficientes, mas não impressionam. Por fim, vale mencionar o consumo: com tocada civilizada, fiz média de 19,6km/l – média similar à das versões e gerações anteriores, porém com mais leveza e força.

Em resumo, a Heritage Classic continua oferecendo um ótimo conjunto – talvez o melhor entre os das Harley-Davidson atualmente vendidas no Brasil. Pena que ficou um pouco difícil falar em custo-benefício na marca: com a alta do dólar e outros aspectos macroeconômicos desfavoráveis no país, a Heritage Classic 114 custa, atualmente, de R$ 103.775 a R$ 105.605. É um preço alto demais, mesmo para esse ótimo conjunto.

Ficha técnica Harley-Davidson Heritage Classic 114

Preços
De R$ 103.775 a R$ 105.605

Motor
Dois cilindros em V, injetado, refrigerado a água, quatro válvulas por cilindro, 1.868cm³, torque de 16,1kgf.m a 3.000rpm e potência estimada de 90cv

Transmissão
Câmbio de seis marchas com secundária por correia

Suspensões
Garfos telescópicos na frente e monochoque atrás

Freios
A disco simples na frente e atrás, com ABS

Pneus
130/90 R 16 na frente e 150/80 R16 atrás

Dimensões
1,41m de comprimento, 1,63m de entre-eixos, 68cm de altura do banco e 12cm de vão livre

Pesos
316kg a seco e 330kg em ordem de marcha

Tanque
18,9 litros

Consumo
19,6km/l (cidade/estrada)

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