Qualidade dos engates e peso do pedal de embreagem tiram o brilho do câmbio manual do Nissan Kicks S, oferecido apenas na versão de entrada do SUV compacto japonês

Nissan Kicks SPor Alexandre Soares

Como jornalista e gearhead, eu valorizo bastante as inovações que vão aperfeiçoando os automóveis ao longo dos tempo. Porém, existe uma tendência da indústria sobre a qual posiciono-me como dissidente: a do monopólio dos câmbios automáticos. Não nego que eles trazem conforto, principalmente em situações de trânsito congestionado, e que a eletrônica os faz atuar de maneira cada vez mais eficiente. Mas o consumidor deve ter poder de escolha: eu, por exemplo, sigo preferindo as caixas manuais. Para mim, elas trazem uma interatividade incomparável entre homem e máquina. Por isso, fiquei feliz ao saber que avaliaria um Nissan Kicks com esse tipo de transmissão. Primeiro, porque atualmente é bem raro ter a oportunidade de dirigir um SUV compacto com três pedais; quase todos são automáticos, inclusive nas frotas de imprensa dos fabricantes. Segundo, porque o modelo nipo-fluminense já havia mostrado bom acerto em termos de motor e suspensão. Porém, no caso dele, em específico, meu conselho para compradores em potencial, ironicamente, é pagar um pouco mais e levar uma unidade com câmbio CVT.

Nissan Kicks S

Kicks manual

Em nossa avaliação anterior, a versão SL, top de linha, que vem equipada unicamente com transmissão automática, mostrou um acerto correto. A caixa CVT é entrosada com o motor 1.6 16V de 114 cv de potência a 5.600 rpm e 15,5 kgfm de torque a 4.000 rpm (tanto com gasolina tanto com etanol). Não se trata de um conjunto mecânico empolgante – e essa tampouco é a proposta do veículo, vale ressaltar -, mas ele consegue entregar alguma diversão, sem prejudicar conforto e desempenho. Já o câmbio manual da configuração de entrada S, por outro lado, mostrou inconvenientes de manuseio: o pedal da embreagem é pesado, os engates são um tanto duros e imprecisos e o curso da alavanca é mais longo que o desejável.

Lembra-se daquele lance da interação entre homem com a máquina? Pois é, tais características levam embora boa parte do prazer que deveria existir nesse processo. Como ponto positivo, destacamos apenas a relação das marchas, que são curtas, mas não em excesso. O escalonamento é correto, sem “buracos”. A 120 km/h, em quinta, o tacômetro marca cerca de 3.500 rpm, número um pouco alto, mas ainda coerente com a proposta e a motorização do veículo.

Nissan Kicks S

Baixo peso favorece desempenho e consumo

Outra boa notícia é que essas relações curtas, aliadas ao baixo peso do Kicks – 1.109 kg na versão S e à boa distribuição de torque do motor 1.6 – fazem com que o motorista desfrute de boa agilidade no trânsito urbano. O SUV compacto arranca rápido e consegue manter certa disposição em aclives. Na estrada, as limitações da cilindrada são mais evidentes, mas o modelo não chega a fazer feio em ultrapassagens ou em subidas de serra, por exemplo. Além do mais, o propulsor é suave e “enche” rápido, de modo que não há inconveniente algum em fazê-lo trabalhar em giros mais elevados se for preciso. Vale lembrar que ele tem bloco e cabeçote em alumínio, comando de válvulas de admissão com variador de fase, sincronização por corrente metálica e sistema de partida a frio com bicos injetores eletricamente aquecidos (que dispensa o tanquinho de gasolina).

O Nissan Kicks S foi avaliado com gasolina, combustível com o qual obteve boas marcas de consumo. Aferimos 11,3 km/l na cidade e 13,9 km/l na estrada, números acima da média para um SUV compacto. Porém, o tanque de apenas 41 litros limita a autonomia: o veículo roda, no máximo, 570 km sem abastecer, levando em conta as nossas medições.

Suspensão prefere o asfalto

A suspensão mostrou o comportamento de sempre, com uma calibragem no meio-termo entre maciez e firmeza. Em pisos irregulares, o Nissan Kicks S até transmite algumas imperfeições do solo para o habitáculo; não chega a ser algo excessivo, mas pode desagradar a quem pretende dar um uso mais “raiz” ao SUV, mesmo que isso se isso se resume a pegar uma estradinha de terra no fim de semana. Além disso, o curso é curto, de modo que os amortecedores “dão batente” em valetas e ondulações. A contrapartida está na estabilidade muito boa para um veículo de altura elevada. Há pouca rolagem da carroceria, e a tendência ao subesterço só aparece após abusos.

A direção elétrica, por sua vez, tem relação bastante direta, mas poderia ser um pouco mais progressiva, entregando mais firmeza em alta velocidade. Os freios, mesmo utilizando tambores na traseira (na dianteira existem discos ventilados), conseguem imobilizar o modelo com eficiência; resultado para o qual colabora, mais uma vez, o baixo peso do veículo.

Acabamento simples, porém correto

Por dentro, o Nissan Kicks S é bem mais simples que o SL. O painel é todo confeccionado em plástico rígido, sem aquela faixa estofada em couro, e os bancos são forrados em tecido. Até o volante perdeu o revestimento. Isso faz parte do jogo, afinal, versões de entrada não fogem a certas perdas. Porém, o fabricante exagerou ao retirar até a iluminação e a função um-toque dos vidros elétricos; apenas o do motorista traz esses recursos, e, mesmo assim, o segundo só funciona na abertura. Todavia, verdade seja dita, essas simplificações não atingiram o padrão de construção, mas apenas os materiais da versão de entrada: tanto ela, que é nacional, quanto a top de linha, que avaliamos quando o SUV ainda era importado do México, apresentaram carroceria em desalinhamentos nos painéis metálicos, e acabamento bem-encaixado e sem rebarbas.

Nissan Kicks S

A posição de dirigir é boa. O volante é mais fino que o ideal, o que prejudica um pouco a empunhadura, mas traz ajustes tanto em altura quanto em profundidade. Os bancos são bastante confortáveis, com bons apoios tanto para a coluna quanto para as pernas. O quadro de instrumentos, que nessa versão é do tipo convencional, e não configurável, proporciona boa leitura, mas deixa de fora o marcador de temperatura do motor. A visibilidade é boa para a frente, mas muito limitada para trás, pois as colunas C são muito largas, e o vidro, estreito. Como a versão S não tem nem sensores nem câmera de ré, as manobras exigem cuidado redobrado.

Nissan Kicks SEspaço interno está acima da média; equipamentos não

O espaço interno do Nissan Kicks S é dos mais generosos do segmento: não chega a superar o Renault Captur, mas está no mesmo nível do Honda HR-V. Quatro ocupantes altos conseguem se acomodar com alguma cabeça e joelhos. O calcanhar-de-Aquiles do modelo, como na maioria dos SUVs compactos, é a largura modesta do banco traseiro, que faz com que haja certo aperto caso três adultos precisem se sentar ali. Porém, mesmo na versão básica, há cintos de segurança de três pontos e encostos de cabeça para todos. O porta-malas, com 432 litros, também é amplo no contexto da categoria.

O Nissan Kicks S com câmbio tem preço sugerido de R$ 71.990.  O conteúdo de série, porém, é limitado: há ar-condicionado manual, sistema de som com rádio, MP3 player com entrada USB e bluetooth, travas elétricas acionadas por telecomando e vidros elétricos. Entre os itens de segurança, além dos obrigatórios airbags frontais e freios ABS, há apenas ganchos Isofix para fixação de cadeirinhas. Pelo menos os controles eletrônicos de tração e estabilidade podem ser comprados como opcionais, em um pacote que inclui ainda o assistente de partida em rampa. Quem quiser rodas de liga leve (as de série são de aço estampado, cobertas com calotas), terá que colocá-las a parte, como acessórios. Aliás, o veículo avaliado trazia dois itens homologados pela fábrica para instalação nas concessionárias: frisos laterais e racks no teto. A garantia do veículo é de três anos sem limite de quilometragem, com revisões em intervalos de 10.000 km ou um ano.

Versão merece mais atenção do fabricante

As versões automáticas respondem pela grande maioria das vendas dos SUVs compactos, e com o Kicks não é diferente; segundo a Nissan, apenas 5% das unidades vendidas têm três pedais. Talvez por isso o fabricante tenha dado tão pouca atenção a esse sistema, que, como já foi citado, mostrou-se desagradável de manusear. É pena, porque, no mais, o modelo tem qualidades. Vale destacar que ser minoria dentro do share da gama não justifica um acerto malfeito: mesmo que sejam poucos, os consumidores que escolhem essa configuração, seja por preferência ou por simples limitação financeira, merecem uma caixa de marchas boa de se operar.

AVALIAÇÃO Alexandre Marlos
Desempenho (acelerações e retomadas) 7 7
Consumo (cidade e estrada) 9 8
Estabilidade 8 8
Freios 7 8
Posição de dirigir/ergonomia 8 9
Espaço interno 8 8
Porta-malas (espaço, acessibilidade e versatilidade) 9 9
Acabamento 7 8
Itens de segurança (de série e opcionais) 7 7
Itens de conveniência (de série e opcionais) 6 6
Conjunto mecânico (acerto de motor, câmbio, suspensão e direção) 7 7
Relação custo/benefício 8 7

Ficha técnica Nissan Kicks S

»MOTOR
Dianteiro, transversal, 1.598cm³ de cilindrada,quatro cilindros em linha, com 78 mm de diâmetro e 83,6 mm de curso, 16 válvulas, gasolina/etanol,  114 cv de potência máxima a 5.600  rpm, 15,5 kgfm de torque máximo a 4.000  rpm

»TRANSMISSÃO
Tração dianteira, câmbio manual de cinco marchas

»ACELERAÇÃO  ATÉ 100 km/h 
11 segundos (dado de fábrica)

»VELOCIDADE MÁXIMA 
175 km/h (dado de fábrica)

»DIREÇÃO
Pinhão e cremalheira, com assistência elétrica

»FREIOS
Discos ventilados na dianteira e tambores na traseira, com ABS e EBD

»SUSPENSÃO
Dianteira, independente, McPherson, com barra estabilizadora; traseira, semi-independente, eixo de torção, com barra estabilizadora

»RODAS E PNEUS
Rodas em aço estampado de 16 polegadas, pneus 205/60 R16

»DIMENSÕES (metros)
Comprimento, 4,295; largura, 1,760; altura, 1,590; distância entre-eixos, 2,610

»CAPACIDADES

Tanque de combustível: 41 litros; porta malas: 432 litros; carga útil (passageiros e bagagem): 421 quilos; peso: 1.109 quilos; altura em relação ao solo, 20 cm

Da versão básica para a top de linha

A Nissan cedeu para nossas avaliações também um Kicks SL. Como o veículo já havia sido avaliado pelo Autos Segredos há exatamente um ano e, desde então, não sofreu alterações técnicas, achamos que seria redundante publicar outro review dessa configuração. Em vez disso, resolvemos focar na principal mudança à qual ela foi submetida: a de nacionalidade. Nesse caso, o fato de o veículo permanecer o mesmo é ótimo, pois indica que o padrão construtivo foi mantido.

Nós já havíamos tido essa impressão na versão S, mas é mais fácil notar essa característica na top de linha, uma vez que nós já a conhecíamos. Nela, o plástico rígido da parte mais saliente do painel é substituído por um enxerto de couro, material que reveste também bancos, forros das portas e volante. Tanto os encaixes quanto a qualidade das peças mantiveram o nível, que, por sinal, está na média do segmento. Até um dos poucos pontos criticáveis foi mantido em relação ao similar importado: enquanto no habitáculo tudo vai bem, no cofre do motor nota-se lataria pintada apenas com primer. Não chega a ser um defeito intolerável, mas certamente destoa em um SUV compacto que, na versão SL, custa R$ 95.990.

Versão topo de linha

Se, por um lado, o Kicks nacional perdeu a oportunidade de evoluir em alguns aspectos, por outro ele ganhou um upgrade na lista de equipamentos, e incorporou, de série, retrovisores externos com rebatimento elétrico. Há ainda dois itens opcionais inéditos voltados para a segurança: alerta de colisão e assistente inteligente de frenagem, vendidos juntos em um pacote batizado de Tech, que inclui ainda faróis com assinatura em LED (só assinatura; não são DRLs). Com o conteúdo adicional, o preço da versão SL sobe para R$ 98.390.

Dirigindo

No mais, após dirigir o Kicks top de linha, que vem equipado unicamente com câmbio automático, ficou ainda mais evidente o acerto mais refinado que o da transmissão manual. O funcionamento é típico do sistema CVT, com respostas lineares, sem grande emoção, mas imediatas e suaves. Como existem seis marchas simuladas e tecla Sport, o motorista até consegue se divertir um pouco. Há também a função Low, que faz a caixa operar em uma faixa mais reduzida. Então, Nissan, que tal dar à versão manual a mesma atenção das automáticas, para que aquela minoria de 5% dos compradores que gosta (ou ao menos não se importa) de operar embreagem e alavanca desfrute de maior prazer ao dirigir?

Fotos | Marlos Ney Vidal/Autos Segredos

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